O número 49 exerce em mim uma certa magia. No jogo do bicho (Brasil) ele pertence ao grupo do Galo e este é o meu signo no horóscopo chinês. Com um ano de idade os meus pais saíram do Bairro de Santiago, onde nasci, por sinal na mesma casa de um grande navegador português e mudaram-se para a Rua dos Telheiros, 49. Há muitos anos a renomearam com o pomposo nome de Capitão Mouzinho de Albuquerque, heroi da Cavalaria nas escaramuças africanas. É uma rua muito conhecida também, porque ali tem um destacamento do famoso Regimento de Cavalaria 3. Hoje veio-me à memória o período da infância passado naquela rua e naquela casa, numa comparação com o jeito e opções de brincadeiras dos putos daquela mesma idade nos dias actuais. E adianto, como todos sabem, que não existe identificação possível. Estou tentando passar certas coisas, certas manhas e segredos para um dos meus netos, aquele que passa a maior parte do tempo na minha casa. E assim vou lá no passado redescobrir muita coisa que o chega a deixar com os cabelos em pé... Agora estou ajudando-o a fazer um trabalho prático de física para a escola. Trata-se de um simples circuito elétrico que acende luzinhas e toca campainhas quando um fio positivo toca um negativo, numa espécie de jogo de habilidade e firmeza das mãos. Lembrei-me que, bem mais novo que ele, talvez eu tivesse 6 anos, aproveitava tudo o que achava de fios de cobre e montei um painel numa parede do quintal. O primeiro andar da nossa casa, habitado por outras pessoas, era das poucas que tinha electricidade. Na minha imperava a velha candeia de azeite e o candeeiro a petróleo. Puxei dois fios encapados do painel até aos fios de corrente que ligavam aquele primeiro andar com a cocheira, esta pertencente aos proprietários das moradias alugadas e onde guardavam os cavalos quando participavam de touradas em Estremoz. Era a família Maldonado Cortes. Desencapei uma pequena porção dos dois fios paralelos e num deles enganchei um dos que vinham do painel. No outro enganchava o segundo fio e o painel tremia e fazia um barulho estranho. Saía fumaça da fiação e eu parava... Claro que, hoje, sei que estava fomentando um curto circuito na instalação da vizinha e tive a sorte de, além de nunca ter caído de cima daquele muro de 3 metros de altura, também não ter apanhado mais uma daquelas sovas que eram habituais... Tinha uma parreira naquele quintal e sob ela um poço largo e fundo que nos abastecia de água, pois também não tínhamos encanamento da rua. Eu e meu irmão andávamos à solta naquele quintal vasto e nunca caímos dentro do poço ou de cima das árvores. Digo árvores porque, além da parreira, tinha uma mimosa altíssima e um limoeiro siciliano. Este limoeiro ficava encostado num paredão de uns 6 metros de altura e continha um estreito parapeito em todo o seu comprimento. Centenas de vezes subi naquele limoeiro e caminhava no parapeito com o corpo todo esticado e rente com a parede. Chegava num ponto em que não via saída dali. Começava a atormentar-me uma certa fobia que me deixava preso e me dava medo para voltar; sentava-me no parapeito e ía galgando espaço com pequenos pulinhos. Mas sempre conseguia voltar, pois não aprendia a lição e repetia sempre essas façanhas. Interessante aquela casa. Os proprietários mantinham um outro compartimento onde guardavam a palha (feno) para alimentação dos cavalos; era o palheiro. Imaginem o quanto de brincadeiras se inventavam ali, principalmente se vinham mais dois ou três amiguinhos. E tinha a estriqueira que também se conhece por estrumeira. Ali eles juntavam o esterco dos cavalos que mais tarde levavam para as suas herdades. Jamais tivémos algum problema de saúde com tudo isso. Acho que éramos mais fortes que hoje, ou com maior imunidade. Quanto eu gostaria de visitar essa casa da próxima vez que me deslocar a Portugal e, claro, se os actuais moradores me deixarem. Certamente estará tudo mudado mas eu conseguirei vislumbrar os espaços de antanho e ao mesmo tempo criar uma série de fantasias. Acho que surgirá uma lágrima furtiva...
2 comentários:
Pois em mim esta lágrima já surgiu...
Sou uma sentimental inveterada...me comove histórias que remetem a passados, infância, essas coisas...
Muito linda tua crônica, Alentejano.
Brigadim por essa emoção.
AS lagrimas acabam sempre por aparecer, pois é algo que faz parte de nós. Tambem o quero felicitar por estar longe mas nunca esquecer a sua terra nem as suas origens. Abraços de Estremoz
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