Somos amigos, (eu, ele e as respectivas famílias) trabalhámos muito tempo no mesmo ramo, frequentámos, com assiduidade, a casa um do outro. Pertencíamos a uma classe social que vê no trabalho a sua subsistência até ao final da vida, a não ser que milagres aconteçam... Éramos dois portugueses emigrantes a viver no Brasil. A grande diferença entre nós é que ele é minhoto e eu alentejano. A origem física de cada um, jamais poderia ser motivo para diferenças, mas é e sempre foi.
O meu amigo não suportou mais a sua situação no Brasil e decidiu voltar às origens há uns anos atrás. E lá em Portugal, no seu Minho, a vida não estava fácil, mas tinha o amparo da família ascendente e lateral e, até mesmo, a cedência definitiva de uma casa que era um dos muitos bens da sogra.
A meu respeito, quase nada tenho para escrever. Nasci nos anos difíceis do pós guerra mundial com muitos problemas de abastecimento e racionamentos, Vivi uma infância muito triste que deixou muitas cicatrizes. Passei quatro anos obrigatórios no exército, dois dos quais no Ultramar, um tiro certeiro no coração da minha juventude. Como a maioria das famílias alentejanas, também a minha circunscrita na imoralidade divisória do grande latifúndio e dos "sem eira nem beira".
Já em Portugal, o meu amigo atravessava muitas dificuldades, depois de um início promissor, tendo sido obrigado a trabalhar em Barcelona, na Espanha. Eu continuando a azáfama nas feiras livres.
Entretanto, a sogra do meu amigo faleceu e ele teve uma parte substancial na herança, fazendo parte da mesma alguns imóveis no Brasil e em Portugal. No que me diz respeito, heranças jamais terei, pois já todos os meus ascendentes e laterais passaram deste Mundo e nada me deixaram.
Há três dias atrás, o meu amigo apareceu aqui em Campinas, mais uma vez, com a sua esposa. Vieram passear e visitar um filho e outros parentes e amigos.
Para mim é sempre motivo de alegria estar com eles, pois são simpáticos, alegres e amigos. Já usufruí da sua hospitalidade quando estive em Portugal.
Assunto que não poderia passar em branco, é o da actual situação política em Portugal com a indicação da Coligação de esquerda para formar governo. Assim, na mentalidade de alguns, dentre os quais o meu amigo, os comunistas tomaram conta do país e este afundará. "Tudo o que o governo anterior conquistou" se perderá e a UE não injectará mais um cêntimo nessa baderna. Argumentei um pouco daqui e um pouco dali até me lembrar do que sempre digo: política e religião não se discutem. É que o meu amigo frisou que eu, estando longe de Portugal, não teria base de conhecimento sobre a situação actual. Ainda me perguntou se eu conhecia alguém que tivesse conseguido um emprego e, sem conhecimentos da área, assumisse a gerência? Naturalmente que entendi onde ele queria chegar com a sua impertinente pergunta e respondi-lhe que eu próprio assumi, na admissão, o cargo de gerente no meu primeiro emprego no Brasil. Surpreendeu-se e, apontando-me o dedo, disse-me que "por isso que eu trabalhava na feira". Continuou, dizendo que passara pelo Alentejo, pela primeira vez, e que se assombrou com as grandes extensões de olivais e vinhas. E rematou com a pergunta maliciosa se eu sabia onde o alentejano esconde a chave de casa!? --- Debaixo da enxada, ele mesmo respondeu...
1 comentário:
Gostei!
Não acho que seja uma crônica, acredito que seja um conto.
Parabéns!
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