Lembro-me quando um grupo de calceteiros portugueses (não sei se tinha algum de Estremoz, mas creio que não...) fizeram a calçada de Copacabana no Rio de Janeiro: eles cercavam o canteiro de obras com tampumes para que ninguém descobrisse o segredo da arte... Pura ignorância! --- Há pouco tempo voltou ao Rio um outro grupo de calceteiros para ensinar a arte a um grupo de profissionais brasileiros interessados. Os tempos são outros, as mentalidades mais abertas e um espírito alentejano de ser...
Nestas primeiras ilustrações cito Fernando Machado e Ernesto Matos como autores de algumas; não sei o nome dos demais autores. Coloco este apêndice (ou intermezzo) para evitar desconfortos futuros como já vim a ter noutras matérias que escrevi, principalmente as referentes a frutas tropicais..
Voltando às calçadas e aos calceteiros, é imperativo citar Estremoz. É a minha cidade natal e epicentro de uma das maiores jazidas de mármores do Mundo. Situa-se no Alentejo a 140 km de Lisboa e a 50 da fronteiriça Badajoz na Espanha.
Aqui há mármore de todas as cores, predominando o branco. Todos de extrema beleza. E sinto-me orgulhoso quando vejo fotos ou vídeos de sumptuosos palácios no Médio e Extremo Oriente revestidos de mármore que, identificado como de Carrara (Itália) na maioria das vezes, é em grande parte de Estremoz. Uma daquelas muitas sacanagens que se fazem com alguns coniventes trouxas portugueses...
Muitos daqueles blocos enormes eram extraídos quase à porta da minha casa, nos meus tempos de catraio. Eu os via serem transportados naqueles camiões grandes e isso me deslumbrava. Só mais tarde viria a saber que se dirigiam ao porto de Lisboa para serem embarcados, muitos deles para Carrara e daqui, rotulados, para o Mundo... Mas, afinal, isso não vem ao caso. Eu propuz-me a escrever, hoje, sobre os calceteiros. Nem ligarei se, por acaso, vier algum italiano enchar-me o saco e a paciência...
Sendo Estremoz terra do mármore, não poderia deixar de dar grandes escultores e calceteiros
ao Mundo. Nas ruas vemos as calçadas em pedrinhas de mármore branco com os desenhos em mármore preto ou rosado. As Donas de Casa costumam esfregar aquele pedaço em frente à soleira da porta e fica notória a diferença do branqueado com o encardido... Mas mesmo isso é lindo de se ver.
Passei a minha infância vendo os calceteiros elaborando as calçadas de muitas ruas da cidade, inclusivamente a minha então denominada Rua dos Telheiros e hoje, pomposamente, Rua Capitão Mouzinho d'Albuquerque. Ficava observando-os agachados por horas a fio com um martelo apropriado que tirava ou modificava, com uma das extremidades, algumas arestas de determinada pedra para que a mesma se encaixasse naquele exacto espaço que ele já tinha fixado num golpe rápido de vista.
A velocidade e destreza com que esses homens trabalhavam era impressionante. Eles pegavam uma qualquer pedra do monte ali formado e instintivamente já era prensada com o martelo no lugar certo. Coisas da arte e de muita prática. Também do gosto e da paixão.
A última frase do parágrafo anterior não foi escrita em vão. Aliás, nada do que escrevo é em vão. Aquilo veio aqui do fundo da minha alma. Vi, muitas vezes, como eles faziam e como não poderia deixar de ser, aprendi. "Se houvera quem me ensinara, quem aprendia era eu". Lembrei-me deste verso da que é uma das mais lindas canções alentejanas --- Rama da Oliveira ---. Directamente não houve quem me ensinara e nem mesmo algum calceteiro iria expulsar dali um miúdo de 5 ou 7 anos e aí, na verdade, é que estava o busilis da questão...
Aprendi muito na vida na base da curiosidade e da bisbilhotice. Sou um auto-didata em muitos assuntos. Por tudo o que me interesso e resolvo fazer, faço-o com paixão. No dia de Ano Novo, além de expurgar os excessos de bebidas e comidas da noite anterior, senti o prazer de refazer o canteiro do meu Ipê Amarelo (ressuscitado...) e arrumei um pouco da calçada. Hoje resolvi retirar todas as pedras dum espaço que a raiz da árvore estufou.Desbastei a terra em excesso e refiz a calçada imitando os calceteiros de antanho, dos anos da minha infância
Aqui eu senti, como afirmei lá atrás, um gostinho especial pela arte. Não senti a dor no meu joelho (...); o quebrar daquela ponta bicuda; o arredondar de uma face. Tudo na ponta cortante do martelo, para que a pedrinha encaixasse certinho no espaço obtuso. E tudo foi ficando certinho.
E ferramentas também se improvisam para tarefas deste tipo que, afinal, não é todos os dias que aparecem. Um maço como o usado por aquele calceteiro da fotografia eu não tenho. Mas o conjunto das pedras tem forçosamente que ser batido com força para a união e nivelamento do conjunto. Nessas horas temos que improvisar e foi o que fiz com essa lata cheia de concreto e presa com uma corda...
Alguém me fotografou sem que eu pedisse, mas também não fiquei aborrecido com isso. Entendam as fotos ilustrativas pelo ângulo profissional e desprezem a tentação de algum comentário sobre a estética do calceteiro. Atentem sòmente na obra domingueira.
3 comentários:
Está uma delicia de matéria!
Adoro quando postas coisas tuas, de teu cotidiano.
Devias postar mais...
Adoro os artigos do teu blogue. Escreves muito bem. Escreves correctamente e coisas interessantes. Continua.
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