À primeira vista é um caso ultrapassado. Não consta da agenda das diplomacias envolvidas com relação a datas próximas. Não quer dizer que, mais tarde ou mais cêdo, não se venha a incluir numa pauta de conversações bilaterais, sem recurso a medidas drásticas e irracionais como as de antanho na década de 80.
Lògicamente que a minha crónica de hoje não vai abordar especìficamente o problema das Ilhas, pois seria descabido. Mas mantenho o título --- um dos que excepcionalmente coloquei antes de organizar as ideias e escrever o texto. Por isso, esta minha introdução explicativa...
Só falta explicar o porquê da minha navegação nestes mares, mas isso surgiu mercê dos últimos contactos com os velhos camaradas de Faculdade (que continuam), visando o nosso Encontro-Almoço de Julho próximo. O momento veio trazer à tona essas lembranças e, mais ainda, porque fui cutucado...
Naquele ano de 1982, entre Abril e Junho, período da duração da Guerra das Malvinas ou Falkland War, era frequente comentar-se a respeito nas aulas de Técnicas de Vendas, do curso de Administração de Empresas. Numa Faculdade é perfeitamente normal haver abordagens a assuntos extra curriculares pois que, afinal, tudo concorre para uma melhor formação dos alunos e até dos professores...
O assunto em questão era apaixonante e, naturalmente, gerou correntes diversas de opinião, umas a favor e outras contra, no âmbito geral. Eu era declaradamente a favor dos britânicos, atitude raríssima na medida em que sempre critiquei e continúo a criticá-los por causa das muitas arbitrariedades em que se envolvem. A minha virada de casaca, nessa altura, devia-se a outros componentes.
Sempre fui uma pessoa muito tímida e continúo sendo. Porém, numa roda de amigos eu consigo vencer algumas barreiras e sei que transmito uma imagem diferente; inconscientemente uma imagem virtual. Assim, sobressaía-me na exteriorização das minhas ideias e opiniões e isso levou o professor a mobilizar-me para um debate em sala de aula e com dia marcado, mesmo perante a minha contrariedade.
O meu oponente era um colega que se sentava numa das carteiras do fundão (cujo nome não me vinha à memória, mas fui agora informado que se chama Osni) e acirrado admirador dos argentinos e sua posição na disputa das Ilhas. Aliás, a sua postura era de declarada admiração dos regimes de então no Cone Sul.
Certa altura, durante os meus estudos na escola secundária em Portugal, fiquei escalado para uma palestra na aula de História. Era sobre os 500 anos das Descobertas. Lembro-me que passei muitas horas na Biblioteca de Évora folheando calhamaços e, com isso, adquiri conhecimentos importantes. Nessa linha de estudo e pesquisa mergulhei em tudo o que se relacionava com as Malvinas no campo da história. E esse era, cria eu, o meu grande trunfo no futuro debate. A par disso, recortava todos os dias dos jornais o que se publicava sobre a guerra e montei um dossier. Estava muito confiante na minha performance...
Uns dias antes do programado debate, numa das habituais conversas com o meu amigo Marcos, aluno do curso de Economia, abordámos o assunto. Tracei um esboço do meu trabalho e, de pronto, ele me aconselhou a rever o que eu pensava incluir (nada mais, nada menos, que uma abordagem política). E, porquê? --- perguntei-lhe. A resposta foi clara e incisiva: atacar a ditadura argentina era como se atacasse a brasileira; isso publicamente e ainda por cima vindo de um estrangeiro-residente, erra barra pesada.
Pensei muito a respeito e cheguei à conclusão que era mais prudente não enveredar por esse caminho. Pensei, sobretudo, na minha família. Assim, no dia do debate e antes de entrar na sala de aula, procurei o professor e pedi-lhe que anulasse ou adiasse o evento. A resposta foi negativa!
Entrei na sala nervoso. Notei que estava cheia e havia convidados. Alguns colegas levaram as esposas para assistir. O acto revestia-se de muita importância.
O primeiro a ser chamado para falar foi o meu oponente. Quando ele começou a dissertar sobre a parte histórica, notei que estava ali quase tudo o que eu pesquisara e isso já me iria reduzir a munição. E não passou disso --- só história.
Chegou a minha vez. Cheguei lá na frente e as palavras não saíam. E não saíram. Apercebia-me do ridículo da minha postura e isso me enterrava mais. Nunca tive o dom de falar em público para uma plateia assistente e, além disso, como um pássaro, as asas já me tinham cortado e eu não poderia voar.
Voltei para o meu lugar cabisbaixo e sujeitei-me a ouvir um monte de impropérios vociferados pelo mestre. Lembro-me que o já falecido colega Duarte dissera naquele momento: "eu era a favor da tese pró ingleses, mas mudei de lado"; o Schmidt segredou-me: " estou estranhando você! um cara que andou nas guerras de África não reage?!". Até hoje eu carrego esse peso na consciência. Porém, publicando isso tudo aqui hoje, sinto-me um pouco mais aliviado. Quem sabe, até, se compreendido?
1 comentário:
Muitas são as memórias dessa época. Algumas a gente não precisa nem se esforçar para lembrar. Umas meio assustadoras, como aquele vendaval que derrubou a cantina, deixando de pé apenas o freezer, e lançou bancos com pé de ferro a dezenas de metros. Encheu nossas cabeças de cacos de vidro e empilhou carteiras na sala de aula. Árvores caídas impediam que corrêssemos para casa para saber se estava tudo bem. Noite de terror. Felizmente ninguém se machucou seriamente.
Outras muito divertidas. O lançamento de produtos então, foi demais. A turma do Barbi com o desfile de moda – lançamento de calçados, fez o maior sucesso atraindo para nossa sala a escola inteira. Minha turma lançou Tommy, uma geléia de tomate com direito a degustação e tudo.
Essa turma era uma das que se instalava lá no fundão: Jordão Pereira, Edelcio Fornari, Wilson Colucci, Julio Yatim e eu. Turma unida. Até estudávamos, acreditem. Nesses mais de 25 anos, pouco os vi. Reencontrá-los seria demais.
Eles certamente se lembrarão do debate sobre Malvinas ou Falklands e especialmente, de como fui parar nele.
Esse capítulo começa com o professor indo até o fundão e me perguntando se eu defenderia a tese do direito dos argentinos sobre as ilhas. Parece que não havia voluntários para cerrar fileiras com os hermanos. Normal.
Claudio, também fui mobilizado pelo mestre para o evento. Talvez porque nunca deixei de exteriorizar minhas opiniões. Como você.
A rigor, não tínhamos informações sobre o assunto. Era a primeira vez que ouvia falar de tais ilhas. Mas, como você diz, assuntos extracurriculares, atuais, polêmicos, enriquecem nossa formação. Topei e me lancei à pesquisa.
Abordar o assunto politicamente, para mim, nunca foi considerado. Não porque pudesse trazer consequências para mim ou para minha família mas porque seria um outro debate.
Ainda mais sob o manto de uma guerra, onde todos são perdedores. Eu não toparia.
Nossa consciência tinha registro da Copa de 70 e da de 78 e do uso que os regimes fizeram de tais eventos, nós brasileiros ao som de Dom e Ravel e slogans como “Brasil Ame-o ou Deixe-o” e os argentinos degolando, ops, goleando o Peru numa peleja vergonhosa. Nessa o Peru morreu na véspera.
Se capazes de manipular o orgulho de uma nação numa disputa esportiva, que dizer de um espinho histórico atravessado na soberania ?
Era desnecessária essa abordagem.
Só sobrou a história e, foi, como você afirma: “E não passou disso --- só história”.
E, em sendo assim, onde você foi encontrar essa preciosidade “Aliás, a sua postura era de declarada admiração dos regimes de então no Cone Sul” ?.
Acho que tenho uma memória razoável. Procurei na minha história, consultei amigos – mostrei a eles sua crônica, revi episódios passados, relembrei posições assumidas, tentei. Não achei.
Procurei, agora, na Internet, quem estava no poder na época.
Aqui, Figueiredo não gostava de bípedes. E eu dele. No Chile, Pinochet não conseguia lavar as mãos do sangue de Allende, no Paraguai Stroessner oprimiu a oposição como ninguém. Parei por aí. Não me achei.
Como não podia defender a causa argentina com fleuma britânica, pode ser que meu entusiasmo no debate remetesse a essa conclusão. Se não for isso, é Juízo de Caráter.
Se for, cabe aqui meu reparo, para que não se cometa um erro histórico, tal qual cometeram Tatcher e Galtieri.
Saudações
Osni de Oliveira
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