Ano de 1959. Cincoenta e dois anos são passados, mas a
lembrança perdura. O meu grande sonho era ser oficial da Marinha de Guerra e,
mais tarde, comandante de um qualquer navio mercante ou de passageiros,
passaporte para conhecer o Mundo. E nesse ano esse sonho terminou...
Naquele ano eu cursava o 4º do Curso Geral de Comércio e
era, como sempre fui, aquele aluno do meio da tabela; aprendia o que ouvia e não
perdia horas decorando o que quer que fosse; situava-me, sempre, naquela faixa
entre o medíocre + e o suficiente...
Companheiros inseparáveis naquele e nos anos anteriores da
Escola, além do Calhau, Raúl Silva, Zé Baião, Constantino Pereira, Correia da
Costa, Guilhermino, Chico Garcia, etc., tinha o Gualter Cabral. Este último e
eu entrávamos na primeira aula de inglês e a professora, imponente no corpo e
na voz disse: “vocês dois estão
chumbados! Se quiserem entrar, entrem, mas não adianta”.
Um outro dia tinha Exercício de Contabilidade. Não me lembro
o nome da professora; sei que era muito feia, hospedava-se num prédio do Cabido
gerido por freiras e tinha um insuportável mau hálito. Eu, que não sabia
patavina de Contabilidade, respondi a algumas questões e coloquei na folha a
finalizar: “Continúa no próximo folhetim”.
Isto dos folhetins estava em moda por causa dos da Emissora Nacional e que eu
ouvia alternadamente com os Parodiantes de Lisboa.
O corpo docente reuniu-se extraordinàriamente só para
avaliar o meu comportamento e eu lembro-me que fui punido com dois dias de
suspensão.
Quando do regresso da punição, coincidiu haver um Exercício
de Inglês. Imaginem! Sentei-me na carteira como todos os demais, rapazes e
raparigas. Esquecia-me de assinalar que a turma era mista e lembro-me da Edite
Garcia, Cristina entre outras. E aí aconteceu que a professora Dona I... chegou
do meu lado e disse: “como não sabes
merda nenhuma, faz aí uns desenhos iguais aos do Exercício de Contabilidade”.
Claro que, como respeitador, cumpri e segui a sugestão... O resultado disto
foram 10 dias de suspensão e estava configurada a minha reprovação de ano. Morreram
os meus sonhos. No ano seguinte fui trabalhar no meu primeiro emprego em Lisboa
e estudar à noite na Escola Dona Maria II, tendo como professor de História o
inesquecível Talhante que no ano anterior estava em Évora.
Fui na residência da Dona I..., na Praça do Geraldo naquela época,
casa de seus pais para pedir-lhe que reflectisse sobre a questão. O resultado
disso foi que, quando eu voltei para as aulas ela disse para toda a classe e na
minha presença: “o gajo foi na minha casa
ajoelhar-se a meus pés”. Senti, definitivamente, que nada mais era possível.
Naqueles tempos tudo o que relatei se colocava num plano 180
graus oposto em relação à actualidade. Os meus pais nem do ocorrido tiveram
conhecimento. Jamais foram chamados à Escola. E imaginem hoje uma professora
dizer aos alunos o que me disse a mim. No mínimo apanhava do aluno e era
expulsa da Escola...
Na realidade, a Escola era uma verdadeira ditadura. Naqueles
Conselhos Docentes os alunos ou responsáveis não participavam e isso, per si,
configurava arbitrariedade.
O Director, Guedes do Amaral, que também foi meu professor,
era temido por todos nós. No fundo, porém, era boa pessoa. Lembro-me dele
alguns anos mais tarde quando frequentemente eu ficava nas estradas pedindo
boleia (carona) e várias vezes me abriu a porta do seu carro. Ele tinha um
problema nos pés que se agravava ano a ano e lembro-me do seu sofrimento com
isso. Foi o único dos docentes que referi aqui nominalmente. Da professora de
Contabilidade não me lembro o nome. Da professora de Inglês sei o nome mas não
o coloquei aqui por uma questão de ética, pois mesma se suicidou num dos anos
da década de 90, possìvelmente por ter a consciência muito pesada.
A vida dá muitas voltas e eu acabei por me formar num curso
superior, Administração de Empresas, aqui no Brasil em 1983. Sei que muitos dos
meus antigos colegas não seguiram os estudos além do curso secundário e eu
fi-lo já com idade avançada. Nas aulas de Ciências Contábeis, neste curso, eu
fui sempre o melhor aluno, mesmo não escrevendo o nome das contas e a descrição
com o bastardo francês e o cursivo inglês que muito bem aprendi... Quanto a
inglês, não gosto. Falo e escrevo fluentemente espanhol e francês, mas fiquei
com trauma do inglês... Não fui para a Marinha, mas a viagem que fiz para Timor como militar --- 60 dias de ida e mais 60 de volta de navio --- afagaram o meu ego...
Adios amigos! Au revoir!
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