segunda-feira, agosto 31, 2009

Emigrantes

Há vinte anos atrás, decepcionado por muitas situações no Brasil, regressei a Portugal com armas e bagagens e com a firme convicção de lá ficar definitivamente. Acabava por ficar junto com as duas famílias que havia formado e esse seria o principal ponto de satisfação. Terminava um longo período de imigração no Brasil e no peito deixariam de se manifestar as constantes palpitações da saudade. Naturalmente que, apesar dos pesares, iria ter muitas boas recordações do Brasil. Acabei por ficar sòmente cinco anos, mas essa é outra história...
Emigração ou imigração, assim denominada dependendo do ponto da localização do personagem é sempre uma grande empreitada e, por vezes, uma grande aventura. É uma decisão que requer exame muito apurado da situação sob a convicção de que não pode haver arrependimentos e que todos os desafios, obstáculos, reversões, etc., terão que ser enfrentados numa luta constante, com derrotas e vitórias, jamais a ser abandonada.
Quando no país que nos acolhe se conta com algum apoio, e esse foi o meu caso, as coisas correm de maneira muito mais tranquila. Todavia, não se pode interpretar isso como uma âncora lançada no porto e deve pensar-se em continuar a navegação de encontro ao destino traçado.
Mas, porque razão eu estou entrando neste tema das migrações e, principalmente, dando-lhe uma pincelada pessoal!? --- Exactamente por saber que essas situações e decisões não se enquadram a todas as pessoas e a todas as idades e ser essa a minha grande preocupação nestas últimas semanas.
Durante os cinco anos que vivi em Portugal, quando daquele meu regresso, muita coisa estranhei mercê de mudanças havidas e a muitas situações me adaptei; a outras não. Uma dessas que jamais digeri, foi a constatação de que alguns dos meus velhos amigos, com ou sem nova família formada, colocavam os seus pais em lares ou asilos. Isso me iompressionava muito e via ali um tipo de decisão que jamais conseguiria tomar; faria todos os sacrifícios (não é bem o termo) para sempre ter junto a mim o meu pai ou a minha mãe. Meu pai já havia falecido anos atrás, mas minha mãe ainda era e é viva; e mesmo naquele tempo ainda me ajudava, em todos os sentidos.
Reconheço que os tempos são outros; a nossa vida corre vertiginosamente e nós embrulhamo-nos nesse ritmo esbaforido. Maridos e mulheres trabalham fóra dos seus lares e nem sempre os netos daqueles, considerados por alguns de fardos, se importam. Mas, e há sempre um "mas", acredito que o buraco é mais em baixo e preocupo-me e muito com esse tipo de situação.
Aqui estou muito longe de minha mãe e não a vejo, a não ser pela internet, há oito anos. Também é verdade que, a partir do momento em que eu e meu irmão fômos servir as forças armadas, nos idos de 1967, ela sempre viveu só na sua humilde casinha; são 42 anos de solidão e muito marcada pela morte de meu irmão. Não uma solidão absoluta enquanto visitava ou era visitada pelos seus irmãos, meus tios, até que estes também partiram para outra dimensão. Também, enquanto os seus netos conviviam de perto, antes que cada um tomasse o seu rumo.
Mamãe avançou na casa dos oitenta e, naturalmente, deixou de ser tão forte; deixou de lutar. Abandonou a sua casa e foi viver com uma amiga, esta também carente de companhia. Uma acabou por constituir um problema para a outra... Não podia continuar assim; era uma situação inviável. Foi quando a sua ex nora (minha ex mulher) lhe deu guarida na sua casa, não sem ter limitações para uma companhia constante, pois que também tem a sua vida profissional. Inescapáveis as situações de acidentes que costumam ocorrer com as pessoas idosas. E ocorreram alguns.
Chegámos, então, ao cerne da questão: ir ou não ir para um lar ou asilo? Sei que tal nunca lhe foi imposto, mas ela própria se mostrou disposta. O grande problema, é que os asilos gratuitos ou dentro das possibilidades, têm grandes filas de espera, além de que, para num deles ingressar um dia, terá que frequentar um lar-de-dia para ir sendo avaliada. Esse primeiro passo foi dado, mas já se mostra descontente e inadaptada às regras, algo que eu, conhecendo-a como conheço, sabia que aconteceria. Todavia, resolvi não meter a colher nessa sôpa.
Mamãe já providenciou fotos recentes para revalidar o seu passaporte. Anda com algumas hesitações, mas dispõe-se a passar algum tempo comigo aqui no Brasil --- quem sabe, até, ficar aqui definitivamente. Para mim, sinceramente, seria maravilhoso. Viveria aqui com os outros netos e bisnetos e teria assistência constante. Seria uma simples troca de lugar em relação aos descendentes, mas algo mais com o reforço da minha presença, o que poria um ponto final ao que deveras podemos chamar de quarentena. Mas eu sei que a nova emigrante jamais se adaptará ao novo meio e logo vai querer regressar. Aquele cantinho do Alentejo nunca poderá ser trocado por qualquer outro torrão. Ela não terá a mesma força interior para aguentar essa separação definitiva. E, sendo assim, o que fazer? Eis aqui o grande entrave que os emigrantes, como eu, jamais enfrentámos ou que, por decisão própria ultrapassámos.

2 comentários:

dor@ disse...

Sensibilisou-me demais este teu depoimento, Alentejano.
Pude sentir na pele o tamanho da tua ansiedade.
Porque não é fácil, quando se trata da NOSSA mãe...
Acho pouco provável que ela se adapte aqui, mas não vejo outra alternativa...bem melhor que ficar sozinha em um asilo para idosos.
Qualquer que seja a decisão, torço que seja boa para ambos...
Creio que ficar ao lado do filho, já vai ser muito bom.
Ainda mais em se tratando de um filho como tu, tão amoroso, dedicado, preocupado com o bem estar dela...
Quiçá todas as mães fossem amadas assim...

Transtago disse...

Como eu o compreendo...
Minha mãe também ficou sozinha recentemente.
Só que a minha distância, felizmente para mim, são 150Km, e não os 10.000 para aí.
Mas quanto a vir para aqui (Lisboa) nem pensar, não quer de forma alguma.
Por sorte eu ainda tenho, lá na terra, duas tias, irmãs de minha ,que vão apoiando.
Que tudo se resolva,pelo melhor para si e sua mãe.
Mas como disse no inicio...
Como eu o compreendo...
Um grande abraço..
M Ramos