quinta-feira, junho 23, 2022
domingo, junho 12, 2022
terça-feira, junho 07, 2022
COVID - Casos
Covid-19: o paciente número 3711 do Dr Cadegiani Todo mundo sabe
que, para a ciência, caso anedótico não comprova eficácia de nada. Mas não é
sobre eficácia de fármacos contra a COVID-19 que estou discutindo aqui.
"Meu pai
testou positivo para COVID pela segunda vez. Da primeira ele quase morreu.
Você tem o contato do melhor médico para isso, Dr Flavio Cadegiani?".
Essa foi a mensagem que recebi no domingo, 29 de maio, à noite, enquanto eu
estava ouvindo uma roda de samba em um café na rua de cima de casa. Quem me mandou a
mensagem foi uma pessoa que me contatou pelo Twitter logo depois que escrevi
o artigo "O dia que entendi o bom alemão",
publicado no Jornal France Soir, de Paris, em fevereiro deste ano. Foi um de
meus textos sobre a pandemia que mais viralizou. Ele passou a me seguir nas
redes sociais depois da leitura. O modo que essa
pessoa – que chamarei "Jota" para preservar a sua identidade – me
contatou, foi inusitado. Ele, logo na primeira mensagem, me oferecia
dinheiro. "Somos empresários e gostaríamos muito de contribuir, caso
queira produzir esse filme. Sim, seu texto é o roteiro perfeito de um filme
histórico", afirmou. Ele se
apresentou, disse que ele e sua esposa lutam contra os pseudo consensos da
pandemia. Agradeci por ter gostado do texto e respondi que um documentário
sobre aquele artigo era, sim, possível de ser feito. "Me ajudou muito a
entender o que se passa hoje", afirmou. Na sequência ele
fez um comentário que explica bastante do momento atual sobre qualquer
conversa abordando a pandemia. "Brigamos por vezes dentro da nossa
própria família". Curioso, procurei seu nome no Google para saber se a
proposta poderia ser algo para ser levado com seriedade. É um empresário de
sucesso. Já passaram mais de três meses da oferta e o assunto ficou para
trás, adormecido. Às vezes, ao assistir alguns documentários, me pego
pensando no assunto, em modos de contar a história, apenas. Mas não mantive
contato estreito, até receber mensagem dele, solicitando o telefone do
Cadegiani, para que atendesse seu pai. "Consigo. Se não for ele, será
alguém muito bom, igual em atendimento", respondi. Não é a primeira vez
que ajudo a aproximar pessoas que procuram tratamento da COVID com médicos
que fazem tratamento precoce. Mas o pedido dele era absolutamente claro:
queria que seu pai fosse atendido pelo Dr Cadegiani. "Não é problema de
custo", afirmou. Jota contou a
história de seu pai, motivo de sua preocupação. Na primeira vez que ele teve
COVID, no ano passado, teve os pulmões muito comprometidos, ficou internado
por um longo período e quase foi a óbito. "Eu fiquei 30 dias com ele
dentro do hospital. Foi muita luta. Depois que complica é muito
difícil", lamentou. "A cada
semana o quadro pulmonar dele ia piorando, depois evoluiu para um quadro de
embolia pulmonar. Chegou a ter mais de 90% do pulmão comprometido. Foi um
pesadelo", explicou. "Ele não conseguia ficar de pé sozinho, não
conseguia tomar banho, não conseguia fazer suas necessidades fisiológicas,
porque não tinha força", complementou. "Nosso mundo parou por um
mês". Já o Dr
Cadegiani, o médico que Jota procurava para tratar a COVID de seu pai, é um
velho conhecido da mídia nacional. "Acusado de crime contra a humanidade
na CPI receitou dose inédita de proxalutamida a paciente com
covid-19", dizia a manchete do
El País Brasil, em outubro de 2021. "Flávio
Cadegiani é o médico responsável por estudo com a mesma droga que pode ter
levado à morte de 200 pessoas. Caso ocorreu em Brasília, na clínica
particular do endocrinologista, onde ele fez tratamento com um remédio em
fase de testes sem respaldo ético e científico necessário", explica a
notícia. No portal da
Globo, o maior grupo de comunicação do país, as manchetes foram outras.
"Covid: Testes com proxalutamida no AM poderiam ser uma das mais graves
violações da América Latina, dizem pesquisadores da Unesco". Depois a
Unesco voltou atrás, mas isso
virou apenas nota de pé de página. Cadegiani, desde
o início da pandemia, fez diversos estudos com diversas drogas no combate à
doença. Pesquisou hidroxicloroquina, nitazonixanida, ivermectina e proxalutamida. Tudo,
segundo a mídia brasileira, "sem eficácia comprovada",
apesar dos estudos concluírem positivamente. O site do
Instituto Questão de Ciência, que visa promover o debate científico
nacional, afirmou que o estudo com
a proxalutamida, que concluiu em uma redução de mortes de 78% em pacientes
hospitalizados, na verdade, não é confiável. "Os resultados,
infelizmente, não passam de uma expressão de erros sistemáticos e da falta de
experiência dos pesquisadores envolvidos", explica a matéria. Eles
citam, inclusive, uma crítica ao estudo feita na revista Science, que resumiu o
resultado da proxalutamida como "bom demais para ser verdade". Entretanto,
entidades que analisaram os dados brutos do estudo com a proxalutamida dão
bom reconhecimento. Na Universidade de McMaster, do Canadá, o berço da
Medicina Baseada em Evidências, o estudo foi avaliado com uma das notas mais altas entre
todos os estudos de medicamentos da COVID. Eles atestaram a alta qualidade do
trabalho. O mesmo ocorreu
com a análise do site COVID-NMA,
vinculado a Cochrane, da França, que busca analisar evidências científicas de
tratamentos. Por lá concluíram existir pouco viés, o que comprova a solidez
do trabalho. A análise dessas duas entidades pode ser bem profunda porque
Cadegiani disponibilizou, por confiar e acreditar no seu trabalho, todos os
conjuntos de dados brutos na íntegra para que a comunidade científica mundial
pudesse analisar. De qualquer
forma, esses reconhecimentos da qualidade não se tornaram manchetes na grande
mídia, mesmo quando um grupo independente, nos EUA, reproduziu, também
com resultados positivos,
a eficácia da proxalutamida, seguindo a teoria original proposta por
Cadegiani para combater a pandemia. Apenas as pessoas que começaram a seguir
Cadegiani nas redes sociais sabem dessas notícias. Enquanto eu
contatava Cadegiani para saber se ele poderia atender mais um paciente, Jota
me explicou mais detalhes sobre a situação: "A minha irmã é biomédica e
ela fica sempre insegura, influenciada por esse pessoal que é contra o
tratamento precoce". Durante a troca
de mensagens, Cadegiani afirmou que poderia atender o pai de Jota. Sabendo da
possível resistência dentro de casa, dei uma sugestão a Jota. "Então
faça o seguinte. Em vez de ficar 30 dias no hospital, fica uma semana lá na
casa do seu pai para ver se vai tomar mesmo os medicamentos". "Você
tem toda razão. Já vou pegar um avião agora e vou para lá", respondeu. E o Dr Cadegiani
atendeu o pai de Jota. Logo no primeiro dia, Jota, preocupado, pensa em um
reforço, possivelmente foram abordados por alguém que sabe que eles são uma
família de posses. "Minha irmã que está inclinada em dar Remdesivir para
ele", afirmou. O Remdesivir é um
medicamento patenteado aprovado pela FDA - Food
and Drug Administration, órgão norteamericano, e recomendado pela OMS -
Organização Mundial da Saúde. É vendido nos hospitais da elite brasileira por
cerca de R$ 18.000, mas mesmo aprovado, celebrado e carimbado, não teve nenhum
desempenho razoável. "Faz tudo que o Cadegiani manda e não inventa
moda", sugeri. Jota concordou. Cadegiani fez o
contrário das indicações da FDA e OMS. Tratou com cocktail de medicamentos
genéricos, baratos e sem patentes, os mesmos que estudou profundamente e que
não são recomendados por esses órgãos reguladores. No dia seguinte, o
paciente já quase não tinha sintomas. Três dias depois, tranquilo, Jota já
pegava um avião para voltar para sua cidade. Com rápida evolução e já sem
sintomas, a saúde de seu pai não lhe causava a menor preocupação. De qualquer
forma, todos sabemos. Um único paciente totalmente curado em três dias não
diz absolutamente nada para a ciência. Não serve para comprovar eficácia de
nada. Isso é conhecido como caso anedótico. Entretanto, sobre
o caso, uma conclusão já é possível de ser feita. As inúmeras manchetes
contra Cadegiani tiveram, essas sim, ineficácia comprovada. |