sábado, outubro 29, 2011

Eu e a Loira

O Mercado Municipal de Évora, nas suas instalações originais, era um belo e funcional lugar. Principalmente aos Sábados. Ali me desloquei muitas e muitas vezes, se não para comprar algo, pelo menos para passear, observar e tomar um copo num dos tradicionais bares internos. Sempre achei muito interessante, principalmente a área das bancas de venda de peixe.
Quando da minha última estada em Évora, há dez anos atrás, todo aquele espaço estava a passar por grandes transformações e reformas. Lembro-me, até mesmo, de se terem encontrado inúmeras ossadas em toda a cercania, o que me parece ter sido uma continuidade do antigo cemitério franciscano que deu origem à mundialmente famosa Capela dos Ossos, anexa à Igreja de São Francisco.
Hoje voltei àquele local, mas mais embuído de curiosidade e a tentar fazer uma comparação dos produtos ali à venda com os do mesmo género que se comercializam nas feiras e mercados do Brasil. Afinal, eu trabalho no ramo...
Houve grandes mudanças arquitetónicas e de lay out, se bem que se tenha mantido a sua estrutura básica original nas paredes externas e cobertura. Mas perdeu-se muito espaço útil e perdeu-se principalmente aquela comunhão de freguês com comerciante.
Ao adentrar a parte coberta, comecei pelos boxes de frutas. Parei ali em frente dos de número 2 e 4 que são acopolados. A numeração é par de um lado e ímpar do outro. Comecei a comparar as frutas dali com as que vendemos nas feiras no Brasil e fiquei impressionado com a gritante diferença de qualidade e apresentação. As do Brasil são infinitamente melhores e eu, como filho aqui da terrinha portuguesa, tenho que dar a mão à palmatória...
Enquanto eu estava nas minhas observações e conjecturas, percebi que a vendedora, uma loira espampanante, dirigia-se à vendedora da banca ao lado com a frase "Eh pá! paraste de comer?". Duas vezes fez a pergunta e eu, pelo canto do olho, percebi que a coisa era a meu respeito. A outra, percebendo que eu tinha captado a mensagem, ficou um pouco encabulada e nada respondeu. É lógico que eu entendi, pois ùltimamente tenho-me relacionado muito com os amigos alentejanos e comecei a relembrar muitos dos ditos e frases típicas no seu jeito cantado. Ela simplesmente estava gozando com o meu barrigão. Deve ter percebido que eu ainda sou aquele cara gostosão, mas barrigudo...
Claro que eu não iria dizer nada. Tranquilamente me afastei e fui visitar outros pontos, principalmente as bancas de venda de peixe noutro pavilhão. Lògicamente que dali já fui articulando tudo para poder vir a escrevar algo relacionado com o acontecimento. Tudo eu ando a aproveitar para matéria do meu blog e, a par deste assunto de agora, já tenho um punhado de outros para desenvolver. São a continuação das minhas impressões de viagem.
Todas as matérias que aqui posto têm uma ilustração condigna e, por isso, eu teria que fotografar aquela banca de fruta... E lá voltei eu com a minha máquina fotográfica em punho. Fui fazendo algumas fotos antes de lá chegar perto e, quando me preparava para tirar a derradeira foto, a loira me interpelou dizendo: "o senhor não pode tirar fotografias aqui!" O meu esperneio foi imediato e contestei. Respondi que talvez não pudesse tirar foto das pessoas sem autorização das mesmas, mas mesmo isso dependia do quanto o cenário fôsse ou não público, etc., etc., mas o local eu poderia fotografar com toda certeza. A certa altura da discussão alertei-a que eu tinha entendido o que ela estava querendo dizer à vizinha quando eu ali parara pela primeira vez e, como ela não esperava isso, só faltou vomitar fogo... Como a coisa começou a descambar para a baixaria, eu me afastei. Ainda pensei em fazer uma reclamação oficial, mas desisti.
Por portas e travessas eu até descobri  o nome da loira  e consegui informações sobre o proprietário antigo e o actual. E, mais importante, que a mãe dos meus filhos daqui é freguesa daquela banca...
Na linguagem castiça alentejana e se se tratasse de homem, o desabafo soaria, mesmo no plural, mais ou menos assim: "são uns cabrões"...

quinta-feira, outubro 27, 2011

Encontros e Reencontros

No pretérito dia 22, sábado, comemomorava-se em Estremoz os 151 anos da fundação da SAE --- Sociedade de Artistas Estremocense. Sinceramente, causa-me um certo embaraço o nome da Instituição, ou mais exactamente a discordância do nome em si. Acho que deveria ser Sociedade Estremocense de Artistas ou Sociedade de Artistas Estremocenses, algo mais arreigado ao bairrismo da urbe. Mas são 151 anos e por ali já passaram pessoas mais evoluídas e letradas que eu e isso não me dá oportunidade a discussão desse tipo.
Criticas à parte, até porque não é minha intenção criticar nada e ninguém, atenho-me ao motivo que me trouxe a escrever estas linhas de hoje.
Conheço a Sociedade desde que nasci, claro, mas jamais lá tinha entrado; até mesmo durante os anos rebeldes da infância e durante os quais se entrava em qualquer lugar sem convite... Ali, no Lago do Gadanha, eu remei muito nos barcos de recreio que todos os Verões lá eram colocados. Nunca nadei nas suas águas porque nadar eu não sabia. Hoje nem navegação nem natação ali há mais e só lá permanece Neptuno com a sua gadanha impávido e sereno no centro do Lago rodeado de repuxos. Cartão postal da cidade, é deveras um lugar bonito. Ali brinquei muito na infância e ali também passava todos os dias a caminho e na volta da Escola do Caldeiro onde completei o ensino primário na década de 50.
Acabei por me desviar da Sociedade que fica bem ali ao lado do Lago do Gadanha, mas à mesma estou voltando. No passado sábado, como referi, teve uma cerimónia com comes e bebes a comemorar o aniversário. O meu cunhado é sócio antigo e convidou-me a acompanhá-lo a ele e minha irmã, depois que solicitou autorização à directoria.
Salão grande longitunalmente e em toda a sua extensão uma enorme mesa farta de acepipes, vinhos e aguardentes. Também havia água para uma minoria... Lembro-me que ali eu comi ameijoas com carne de porco, bacalhau espiritual, croquetes, bolinhos, queijinhos, presunto, etc., etc... O vinho sempre alentejano da própria terra...
Naturalmente que, mesmo estando fóra das minhas águas, sentia-me como peixe... Não reconheci ninguém do meu tempo, até porque as fisionomias não são as mesmas e a falta de contacto supera os 50 anos, mas isso não me inibiu.
Às tantas ouvi no meu redor dois rapazes comentarem entre si se eu não seria "aquele senhor do blog"!? --- Claro que não poderia resistir a isso e de imediato aquiesci apresentando-me formalmente. Eram amigos da internet, das páginas sociais. Joaquim Mira e um seu amigo que, sendo amigo do meu amigo, meu amigo é...
Às tantas a minha irmã alertou-me sobre a presença de dois amigos da infância: o Ludgero e o Rato. A eles me dirigi e assim vi aumentado o meu círculo de amigos no recinto.
Não demorou muito e eu já estava conversando com o Sr. Presidente da Câmara Muniipal de Estremoz. Senti que à sua volta o grupo que o acompanhava, vereadores e outros, nutriam uma certa curiosidade sobre quem eu seria. Dirigi-me à rodinha e, estendendo a mão ao Presidente, apresentei-me e cumprimentei, na sua pessoa, todos os meus conterrâneos. Acho que, não sendo eu político e a tal não ter pretensões, saí-me bem... Senti-me ali ainda mais entrosado na festa e acho que deixei de ser um desconhecido.
Foi uma noite muito especial para mim e eu jamais esperaria ter um momento desses na minha terra. Será uma eterna e grata lembrança.

quinta-feira, outubro 20, 2011

49 Degraus

Propuz-me a escrever a crónica de hoje em que uma escada muito íngreme, com os seus 49 degraus, faz parte do tema. Na verdade, a escada pròpriamente dita tem 48 degraus que, somados ao poial da porta  entrada, dá aquele total. Ficou pairando no ar a dúvida quanto ao título.
A princípio lembrei-me do nome de um filme que eu vira na minha juventude. Um filme do cineasta Alfred Hitchcock baseado na obra homônima de John Buchan. Pensei que tinha como título "Os 49 Degraus", mas pesquisei na internet e vi que eram 39 degraus... Era para jamais esquecer esse título, pois considerei aquele filme um grande barrete, usando expressão muito usada aqui no Alentejo para filmes fracos ou decepcionantes. Este começava com a imagem de um grande navio e que depois se viu que era um barquinho de brinquedo, filmado num plano maior. Coisas de Hitchcock...
Como uma coisa leva a outra, lembrei-me do livro de ensaios do italiano Roberto Calasso, "Os 49 graus". Fiquei outra vez num impasse, pois fujo de plágios, naturalmente. Resolvi então suprimir o artigo e ficou só o numeral, pois a escada tem mesmo os 49 degraus e isso não pode ser alterado...
Com esta introdução acabei por já ter escrito meia crónica quase sem dar por tal. Garanto que tudo o que escrevi não foi conversa para boi dormir nem ar para encher pneu...
Minha mãe fez 87 anos no pretérito Agosto. Vim a Portugal para a rever depois de 10 anos passados, bem como os filhos e netos que aqui tenho.
Por opção, ela passa o dia num Centro de Dia e volta para casa no início da noite. Esperei-a na hora da chegada para lhe fazer uma surpresa.
Depois que ela chegou e após os muitos beijos e abraços, ela se apoiou no corrimão com a mão esquerda e na canadiana com o sovaco direito. Subiu os 49 degraus sem descansar um único momento. E ela faz isso todos os dias há 6 anos. Eu fui atrás, parei duas vezes (uma em cada vão) para retomar o fôlego e cheguei ofegante em estado lastimoso. Para eu chegar aos 87 da minha velhota vou ter que promover grandes e radicais alterações no meu modo de vida. Promessa a ser cumprida imediatamente!


quarta-feira, outubro 19, 2011

A última barreira

Com esta postagem de hoje dou início a uma série de crónicas de viagem. A ideia era ter começado quando da minha chegada a Lisboa, mas uma série de deficuldades afastou-me do aceso a um computador. Tudo se remedeia, porém.
Após o grande trauma que lá muito atrás relatei e que se relacionou com o meu estado de saúde, ficaram algumas sequelas que aos poucos tento eliminar. Uma delas é a síndrome do pânico que com grande esforço tento vencer sem o uso de medicamentos receitados. Imaginar-me dentro de um avião e ver o fechar das portas, era algo que me incutía uma certa espectativa quanto a reacções que viesse a ter. E tudo isso apesar de dezenas de viagens aéreas no meu currículo. Afinal, até medo de elevador eu tivera e já eliminara...
A minha situação em Campinas estava deveras insuportável. Era muita pressão e, por isso, todo o esforço que eu fazia para vencer o pânico do medo, acabava por ser em vão, chegando mesmo a carregar a mente com muitas outras preocupações e stress. Eu precisava muito destas férias e teria que vencer todos os obstáculos.
Naquele terça-feira ainda trabalhei como todas as manhãs faço; e foi um bom dia de negócios. À noite lá estava no aeroporto de Viracopos onde ràpidamente fiz o chek-in.
Por ali andei passeando nas instalações que observei não serem adequadas para um aeroporto daquele porte e fiquei com a certeza que não estarão à altura da Copa do Mundo de 2014...
Na hora marcada começou o embarque. O pássaro é enorme e foi a primeira vez que entrei num desse porte --- Air Bus 340. Já senti que aproveitaram ao máximo o espaço para capitalização e comecei a duvidar que eu conseguisse passar o meu barrigão naquele corredor estreitíssimo que fica entre a parede da fuselagem e a área  serviço das comissárias de bordo. Mas consegui passar... O ruim foi começar a pensar que aquela passagem era realmente muito estreita... Mas esse pensamento eu fui evitando ao concentrar-me nas comissárias. Pô! A TAP continúa a ter pessoal com uma média de idade muito alta. Altíssima!
Esta viagem demorou 9 horas. As anteriores demoravam 10. Decorreu tudo às mil maravilhas e, por isso, acho que ultrapassei a última barreira.

segunda-feira, outubro 10, 2011

Caprichos da Natureza

Uma das variedades de árvores que eu considero ser das mais lindas, mais belas, é o ipê. O roxo, o branco e o amarelo. A minha preferência vai por este último e, por isso, cuidei de uma muda que ganhei há aguns anos atrás e hoje está transformada numa árvore enorme plantada na calçada da minha casa. Já comentei aqui sobre ele outras vezes por outros motivos.
Uma vez, numa das costumeiras incursões que faço na livrarias, despertou-me a atenção o título de um livro --- "Os Ipês Florescem em Agosto". Por acaso não comprei o livro e fiquei sem saber se o título era específico ou se se tratava de uma metáfora. Todavia, passei a olhar as florações dos ipês e a conferir se batia com o título do livro. Por diversas oportunidades, o que significa por vários anos, verifiquei que os roxos começam a florir em Maio e isso vai até Agosto ou mesmo Setembro. Os amarelos e os brancos na verdade florescem mais tarde, entre Julho e Agosto.
Este ano as coisas não fôram bem assim, pois um amarelo lindo e imponente que existe no Centro de Convivência Social de Campinas, floresceu em Junho, antes dos roxos. Já fiquei meio confuso com tudo isso. Quanto ao branco, os que conhecia fôram arrancados por aquelas pessoas que gostam de arrancar árvores a seu belo prazer --- e tem muitas dessas pessoas ignorantes nesta cidade. Não vi nenhum deles florescer.
Deixo para lá todos os ipês que não me pertencem e vou-me ater ao "meu".
Desde que começou a dar flores, isso sempre aconteceu no mês de Outubro. Este ano ele floresceu de acordo com o titulo do livro e eu fotografei-o em 30 de Agosto. Fiquei pensando sobre qual a razão porque ele entrou na linha, sem mais nem menos, e a única conclusão a que cheguei foi a de que deve ter sido porque eu rego o seu pé ao mesmo tempo que rego o jardim da frente de casa. Era raríssimo dar-lhe de beber... Aí estaria explicada toda essa mudança da anormalidade para a normalidade.
A grande encrenca é que após terem caído as flores, quando eu esperava que começaríam a aparecer as novas folhas, o ipê deu uma nova florada em Setembro. E isso não é para admirar?! Mas admiração mesmo, é que ele deu a terceira florada em Outubro e assim está no momento em que escrevo estas linhas.
O que aqui escrevi pode ser comprovado pelas datas das três fotos que ilustram esta matéria. Lembro-me que uma vez que cheguei a pensar que a árvore estava com problemas devido à demora das novas folhas, um senhor da EMBRAPA me contactou mas não continuou a troca de informações. Talvez agora ele me explique tècnicamente o que está a acontecer se, porventura, ele ler o que escrevo.
Será que o meu ipê me está agradecido por eu todos os dias o molhar e lhe dedicar o maior dos carinhos. Se fôr isso, é porque ele merece, a exemplo de todas as árvores que eu admiro.