Nestes últimos dias do ano não fui muito assíduo na minha página; quase nada escrevi aqui. São momentos que me impelem para outras ocupações, mesmo que algumas delas não me transmitam o mesmo prazer que tenho quando escrevo. Este, aliás, o prazer maior em toda a minha vida, em tudo o que faço.
A maioria das matérias, dos assuntos, tem origem em acontecimentos do dia a dia e que trago para aqui sob a minha óptica e numa crítica muito pessoal. Todavia, vezes há que considero esse campo saturado e aborrecido e casualmente enveredo por substituí-lo com alguma crónica de cunho pessoal. Reconheço, também, que essas histórias pessoais poderão não ser interessantes para os meus leitores, mas são muitas vezes um desabafo e uma abertura ao compartilhamento.
O gosto pela escrita e as histórias pessoais. Eis aqui os ingredientes certos para o “prato” a ser servido hoje. Deveria ter abordado este assunto no passado dia 9, data marcante para o mesmo, mas passou...
Naquela noite de 8 de Dezembro de 1967 lá estava eu e um grupo de amigos entrando na alfaiataria do Baiôa. Porta entreaberta, uma olhada em redor para certificação de que ninguém estava vendo e, um a um, íamos entrando. Nenhum de nós ia tirar medidas para a confecção de um fato (terno) e nem àquela hora o estabelecimento estava em funcionamento; íamos todos para mais uma jogatina de cartas, o célebre “abafa”, um jogo de azar proibido...
Começou o jogo. Ganhando uma rodada, perdendo outra, foi-se desenrolando a tarefa com a intercalação de uma piadinha aqui, outra ali, enfim. Apesar de o jogo ser a dinheiro grosso, não deixava de ser uma reunião agradável de amigos.
Perto dali estava a igreja de Santo Antão dividindo a imponência com a Fonte Henriquina, mas aquela sobressaindo mais quando o relógio dava as suas badaladas a cada quarto de hora. Assim, a passagem do dia 8 para o dia 9 foi anunciada com as doze badaladas da praxe. Nesse exacto momento elevei o tom de voz e pedi para que se parasse o jogo. Todos me olharam surpreendidos querendo saber o porquê da minha atitude. Foi então que eu proferi as seguintes palavras: “Meus amigos! Enquanto escutava o bater da meia-noite os meus pensamentos voaram para muito longe daqui e por lá ficaram durante alguns instantes. Neste dia, estar-se-á realizando o meu casamento!”.
Naturalmente que todos ficaram estupefactos e não era para menos... Na verdade, um relacionamento de oito anos através da troca de correspondência entre eu e uma amiga brasileira, que nunca tinha conhecido pessoalmente, estava tendo o seu ápice com o nosso casamento por procuração. De algum modo tinha que haver uma comemoração naquele momento. Providenciámos uma garrafa de vinho do Porto e todos brindámos...
Hoje os meios são outros, principalmente a Internet, mas atingem-se fins idênticos. Sempre gostei de escrever, como já citei, e naquele tempo --- década de 60 --- a essa arte eu me dedicava de alma e coração. Era um escape para a minha timidez; era a maneira que encontrara para me relacionar com as moças da minha idade. Na escrita eu dizia tudo o que pensava sem entraves e engasgos. Estava integrado num universo amplo, pois tinha correspondentes em muitos países. Hoje vivo no Brasil...
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