terça-feira, dezembro 25, 2012

Gorjeta

Lembro-me muito bem do meu primeiro emprego. Aliás, o termo “emprego” não é bem aplicado e acho melhor usar “trabalho”, pois eu não recebia salário pelo que fazia. Vivia só de gorjetas...
Isso passou-se quando eu tinha de 12 anos. Chegaram as férias escolares e lá me mandaram entregar roupas na Tinturaria Baioa  em Évora. Saía com um balaio na cabeça e dentro deste uma ou várias peças de roupa. Normalmente o cliente dava-me uma gorjeta ou simplesmente me dizia obrigado.
Não vou hoje aqui abordar o tema emprego, em relação aos que tive, pois isso é assunto para outra oportunidade. O assunto em questão, hoje, é a gorjeta que eu até pensei que se escrevia com guê e é, na verdade, com jota... E já vou avisando os meus amigos brasileiros que eu pronuncio o alfabeto à maneira portuguesa, algo que também acontece em alguns lugares do Norte e Nordeste do Brasil.
Na minha pesquisa encontrei muita coisa sobre a dita gorjeta. Soube que significa garganta; goela; pescoço; cachaço. E é também a parte mais estreita da quilha de uma embarcação. O vocábulo é originário do latim “gurga” e passou pelo francês “gorge”. Passou para o português “gorja”. O sufixo “eta” é uma assimilação do francês “ette”. Está aí o porquê da minha teimosia em usar gorgeta e não gorjeta até então... Encontrei, também, que é uma pequena gratificação a quem prestou um serviço; espórtula; alvíssaras; escopro delgado para trabalhar o mármore. A etimologia da palavra refere-se a garganta, ou seja, um valor para que o indivíduo vá depois beber um copo, molhar a garganta...
“Minha terra tem palmeiras,/Onde canta o sabiá;/As aves que aqui gorjeiam,/Não gorjeiam como lá.”
É interessante o facto de eu não ter encontrado em lugar algum uma equivalência a suborno ou corrupção. Para mim é as duas coisas e sempre pensei assim. É a forma mais primária de corrupção, tanto activa como passiva. O sujeito que dá a gorjeta fá-lo numa expectativa de "compra" daquele que a recebe (...). E este pede-a ou aceita-a como um hábito para que possa servir bem (...).
Já que anteriormente volvi à minha juventude, torno a fazê-lo. Lembrei-me que nos idos 1960 o governo português baixou uma lei proibindo as gorjetas. Não entendo como me consigo lembrar destes detalhes quando já estou a caminho dos setenta, mas acho que isso é bom... Então, fui com alguns amigos, que tinha ali entre o Desterro, Intendente e Campo de Sant’Ana onde morava, até às Avenidas Novas, mais especìficamente a Avenida de Roma. Ali a vida nocturna de Lisboa bombava a todo o vapor, como bomba hoje nas Docas.
Todos armados em carapaus de corrida, fazíamos aquela pose de quem quer aparecer e é um Zé ninguém. Coisas da idade e da década famosa. E foi então que começou a confusão. Têsos, como sempre, pagamos a conta e deixámos a gorjeta sobre a mesa. O empregado correu atrás de nós para nos devolver aquela quantia, frisando que não podia aceitar ao abrigo das novas leis. E nós insistíamos, mas sem sucesso.
Não sei mais se a lei foi feita com base no meu conceito sobre gorjeta, mas acho que sim. Todavia, o tempo passou e tudo voltou ao que era dantes. Gorjeta é uma quantia que se paga separadamente ao empregado de mesa e a outros profissionais dos mais variados ramos, espontânea ou compulsòriamente. É diferente de uma esmola porque é dada em função da satisfação do cliente pelo serviço prestado.
Afinal, o que me traz aqui, em pleno Dia de Natal, a escrever sobre a gorjeta? Porque o meu saco está mais cheio que o do Papai Noel por causa dessa maldita que eu tanto abomino.
Foi a semana inteira um tal de bater à minha porta para cobrar as “boas festas”, ou seja, a tal gorjeta. O tipo do caminhão do lixo, o gari que varre a rua, o entregador do jornal e outros. Tem outros que colocam a caixinha de papelão na sua área de serviço à espera que os clientes (eu e outros) a encham. E cobram isso se o freguês tenta passar despercebido.
Todos eles são empregados registrados e auferem os benefícios das leis trabalhistas. Ganham férias, 13º e outras coisas mais. Porque razão eu terei que lhes pagar essa tal de gorjeta!?




1 comentário:

Kruzes Kanhoto disse...

A gorjeta é uma instituição insuportável. Nunca dou!