Acho que por ser uma rua muito tranquila (já foi muito mais), a minha é a preferida dos moleques das cercanias para içarem as suas pipas. Diria eu na minha linguagem de época, empinar papagaios...
E é uma verdadeira papagaiada o som dos seus gritos, ora um avisando o outro que vai enliar na linha de alta tensão --- uma linha na outra... --- ou que deve guiar a linha mais para a esquerda afim de cortar a do outro moleque que empinou a sua pipa na rua de trás. Claro que há muitos mais gritos, mas a maioria intraduzíveis...
Jamais na minha vida me dediquei a esse tipo de brincadeira, apesar dela ser universal. Optava naturalmente por outras. Todavia, acho muito interessante e tenho que reconhecer que tal exige uma técnica apurada, desde a confecção da própria pipa com todos os seus segredos.
Imaginem que num destes dias, estando um dos netos aqui em casa, ele e um seu coleguinha pediram-me para que eu acendesse o fogão para darem um calor na pipa... E vi que enquanto passavam o brinquedo por cima da chama, o calor desta fazia com que o papel de seda ficasse mais esticado, detalhe importantíssimo para uma melhor planagem nos céus. Um verdadeiro perigo no caso de não ter um adulto em casa...
O que me trouxe hoje a escrever sobre pipas e seus empinadores, nada tem a ver com aquele livro best seller "O Caçador de Pipas" que infelizmente ainda não li mas fá-lo-ei na próxima oportunidade. O motivo foi mais uma investida da molecada que veio bater palmas no meu portão e acordou-me da sesta gostosa pela qual eu estava passando, como genuino alentejano que sou... E isso é frequente.
Desta vez, porém, cheguei até eles dando bronca dizendo: "Pô mano! Trabalhei durante toda a manhã e quando tento descansar um pouco vocês vêm-me incomodar!?" --- E lá fui subir no telhado para resgatar mais uma pipa que lá ficara presa. Até faço isso com gosto, mas não deixo transparecer.
Entreguei a pipa a um deles que, agradecendo muito, interpelou-me a seguir: "O senhor vai trabalhar amanhã?" e perante a minha resposta afirmativa acrescentou: "Bom trabalho para o senhor!".
A serem as pipas as responsáveis por tão fino trato e educação esmerada e inteligente, origem, talvez, de uma terapia da mente, algo que nos dias de hoje é raríssimo até entre os adultos, torcerei muito para que todos os moleques façam as suas pipas e papagaios, colem as rabiolas, enrolem as linhas e se esbaldem irradiando alegria. Prometo a todos que subirei no meu telhado ou treparei nas árvores do meu quintal na hora das emergências. Só não vos deixarei fazer isso por mim porque o meu Díli é um cachorro bravo...
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