Os Dálmatas, por natureza, não são cães agressivos. Antes pelo contrário, são dóceis mas fora do seu domínio.
Após muita insistência do então amigo e colega de trabalho Luciano Roppa, da Guabí, em 1975 comprei dele um filhote de Dálmata na cidade de Orlândia e, junto com uma cadela Pastor Alemão, veio para Campinas quando para esta cidade me transferi.
Comecei a criar a raça e logo abri um Canil devidamente registado nos Órgãos oficiais específicos. Nascia o "Canil Carcavelos", em homenagem à última cidade onde residi em Portugal.
Muita experiência adquiri nesta empreitada da criação de cachorros e posterior venda dos mesmos. Na relação entre homem e animal também. Porém, há sempre algo mais a aprender...
Depois que foi desfeito o meu primeiro casamento, o Canil ficou na casa da ex-mulher. Passava por lá muitas vezes. Uma dessas vezes a Rena, matriarca da família de Dálmatas, estava com filhotes recém nascidos. Era um Domingo e fui visitar os cachorros. A exemplo de outras vezes, levei a minha filhinha (segundo casamento) que tinha um ano de idade. A minha primeira preocupação foi levar a cadela Pastor Alemão para o quintal e prendê-la, por segurança. Deixei a filhinha sentada, quietinha a aguardar-me.
Quando voltei não vi a menina e repentinamente me deu um estalo: ela foi matar a sua curiosidade dentro da casinha onde estava a Rena com a sua prole. Estava toda ensanguentada e de tal modo, que nem dava para perceber a gravidade dos ferimentos. Foi só tomá-la num braço e conduzir o carro com uma só mão até ao hospital mais próximo. O pior não aconteceu, felizmente. Tem ainda hoje uma marca no rosto, mas disfarçada na sua beleza.
Depois disso e até hoje, jamais tive problemas com os meus cães. Depois de três gerações de Dálmatas tive uma cadela Labrador e por último outro Dálmata, o Díli, que comigo está actualmente.
Este cão é diferente de todos os que já tive ou conheci da raça. Ele é, simplesmente, indomável. Tem uma força descomunal e por isso judia muito de mim quando o levo a passear, preso com trela no peitoral. Já lhe coloquei "enforcador" mas desisti porque senão se enforcaria mesmo... Já me derrubou algumas vezes, mas nunca se soltou de mim... Parece não gostar de crianças e, porque eu já percebi isso, tenho o maior dos cuidados quando os meus netos vêm na minha casa. Aliás, tenho o mesmo cuidado em relação a qualquer pessoa que não seja da casa.
Hoje ele pediu-me para o levar a passear. Sim! Ele pede-me isso numa coreografia peculiar e que dispensa a fala que, claro, não tem...
Já tinha anoitecido e fomos os dois fazer, mais uma vez, um dos tradicionais trajectos. Tomei todos os habituais cuidados, como o de ir para a outra calçada quando alguém vem na minha direção, principalmente quando acompanhado de cachorro ou de criança. E, dentro desse esquema, tudo estava dando certo até que mais uma vez o Díli foi evacuar as fezes no canteiro de uma árvore. Ele só faz isso nos canteiros ou em calçadas destruídas ou mal cuidadas...
Como tenha percebido que uma pessoa subia pela calçada em sentido contrário ao meu, com uma criança no colo, tomei o cuidado de ficar bem perto e virado para o focinho do cão. Mas não adiantou! Ele me surprendeu e pulou na criança! Consegui de imediato puxá-lo com um esticão e, ao mesmo tempo que escutava toda a fúria daquele pai no desespero de ver se algo de pior teria acontecido, pedi milhões de desculpas e tentava justificar-me com a garantia de que ele jamais assim tinha agido.
Depois que o homem se acalmou mais, convidei-o a ir na minha casa que era perto. Não aceitou. Pedi-lhe, então, o seu nome e morada e ele acedeu. Vim para casa e contei o acontecido à minha mulher.
Larguei o cão e, com a mulher, fômos ao encontro daquele homem. Lá estava ele na portaria do Condomínio, comentando o sucedido com a esposa e outros condóminos e enxugando lágrimas que ainda lhe corriam dos olhos.
Soube que a criança tem 9 meses sòmente e o meu coração disparou mais uma vez quase me levando às lágrimas também.
O diálogo foi amistoso e ouve compreensão mútua dos acertos e dos erros. Prometi a mim mesmo que lavarei o Díli a passear só em lugares ermos, numa hora mais tardia, a partir de amanhã.
Admirei muito a educação e o fino trato daquele Pai, Isaías de seu nome. Como tenho ideia de o ver mais vezes, a ele e seu filhinho ali na saída da escolinha, quem sabe se não nos tornaremos Amigos!?
1 comentário:
Não quis acreditar!!!! Olha que a polícia ainda te obriga a sacrificar o Dili se ele voltar a ameaçar alguém! Espero que não façam queixa dele. :(
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