Seguras com pedras, para que o vento as não levantasse, as toalhas brancas eram mostruários das muitas e variadas confecções ao dispor e regalo da família e de um ou outro que passasse ou se juntasse ao grupo. Dessas confecções, ficaram-me na memória o ensopado trazido de casa feito e aquecido ali em flume de chão improvisado com pedras, o borrego com ervilhas, a costeletas panadas, o coelho frito, as filhoses, os pasteis de grão, a enxovalhada e outros bolos caseiros. Mas havia sempre uma iguaria comum a todas, própria desse dia. Era o assado, ou seja, a perna de borrego tostadinha, com batatinhas novas e muita cebola, em assadeira de barro queimada pelo forno de lenha. Como acompanhamento havia, por tradição, salada de alface muito segadinha.
Os meus pais não apreciavam estas festanças de comezainas, com muito pó, muitas moscas e bebedeiras à mistura. Mas eu sempre gostei e muitas foram as vezes em que, adolescente, passei esse dia no Alto de São Bento, saltando de chaparro em chaparro ou, o que é o mesmo, de família em família, saboreando o que de muito bom por lá havia. Os mantimentos e o vinho para um dia inteiro eram propositadamente abundantes a contar com os muitos amigos, que sempre apareciam de mãos nos bolsos. Havia quem levasse música em grafonola de dar corda, permitindo baile e animação até às tantas.
O Nem eu nem o povo aqui em festa sabíamos que dois anos depois da conquista de Évora, em 1165, por Geraldo Geraldes, o Sem Pavor, e do foral que lhe foi dado por D. Afonso Henriques, se erguia, no sopé desta colina, uma pequena ermida dedicada a São Bento. Frade italiano nascido no ano de 480, em Núrsia, foi o fundador do monaquismo ocidental e o criador da Ordem Beneditina, organização religiosa que alude ao seu nome. Mais de um século depois, em 1274, nascia sobre esta ermida o convento de São Bento de Castris, da Ordem de Cister, uma das mais antigas instituições religiosas femininas. Fundado, por D. Urraca Ximenes, este local tornou-se motivo de peregrinação que o tempo fez esquecer como tal, mas que permaneceu como pólo de confraternização popular.
Também não sabíamos que este local ficou na história de Portugal, durante a revolução de 1383-1385, conduzida pelo Mestre de Avis. À época, era abadessa do convento Dona Joana Peres Ferreirim (dama da família de Dona Leonor Teles, rainha a quem o povo cognominou de Aleivosa). Segundo Fernão Lopes, a infeliz religiosa, que se escondera na Sé Catedral, durante os tumultos, foi encontrada e arrastada pela multidão, até à Praça do Geraldo, onde morreu às mãos do povo.
Logo pela manhã partiam, uns a pé, outros em carroças, carregadas de cestos, garrafões, mantas e cadeirinhas, para ali se instalarem o dia todo, à sombra de uma azinheira ou de um sobreiro. Pela encosta da colina virada para a cidade fervilhava a animação. Cada árvore, uma família.
António Galopim de Carvalho
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