segunda-feira, outubro 01, 2007

ONTEM E HOJE

Muitos anos já se passaram, é verdade, mas sempre ficam gravados na memória momentos de tempos longínquos. Acontece com todos, claro. A algumas dessas passagens damos maior importância do que a outras e o grau desse registo é diferente em cada um de nós. Frequentemente lembro-me dos tempos em que estudava em Évora e frequentava o então Curso Geral de Comércio, uma variante do ensino secundário em Portugal, mais exactamente o ensino técnico profissional.
Naquele Verão tórrido defrontava-me com as provas orais das três línguas do currículum escolar --- português, francês e inglês. Diferentemente das demais disciplinas, estas não tinham dispensa da prova oral quando na escrita se atingia uma pontuação alta e pré fixada.
Na prova de francês fui "premiado" com a presença de um grupo de franceses amigos e convidados do então meu professor e também um dos examinadores, o saudoso padre Casquilho... Enfrentei esse desafio com uma certa destreza em contraponto a toda a minha habitual timidez. Saí-me bem e os franceses gostaram do meu desempenho, creio eu...
A lembrança mais importante e que fundamenta a crónica de hoje, é a prova de português. Ali estava o grupo de examinandos e examinadores naquela sala nº 2 da Escola de Santa Clara. Uns eram chamados a comparecer ao estrado da lousa para responderem às perguntas. A outros sugeria-se que escolhessem um texto do livro de leitura e o lêssem em voz alta respondendo, depois, a perguntas inerentes e a outras de cunho gramatical. A tudo eu ía assistindo e torcendo para que, chegada a minha vez, me mandassem escolher um texto também para leitura do mesmo. Aprendi a gostar de leitura e cultivo a prática até hoje. Afinal, eu estava com a página do livro marcada e seria só abri-lo ali... Gostava muito daquele texto e do autor e muitas vezes o tinha lido durante o ano.
Chegou a minha vez e tudo correu conforme o meu desejo. Estava com sorte naquele dia... Abri o livro. "O ninho da águia" de Fialho de Almeida seria a minha leitura. Comecei a ler em voz alta e firme. Obedecia rigorosamente à pontuação, dava uma entoação realista, recitava, até mesmo, numa total comunhão com a narrativa, exclamações e pensamentos. Ao contrário do que acontecia com os demais, não fui interrompido para terminar a leitura e dar lugar às perguntas. Deixaram-me ir até ao fim.
A leitura, por si só, foi a minha prova oral. Aprovado sem mais delongas. Jamais pensara que a simples leitura de um texto fôsse um exame completo sobre a real carga dos meus conhecimentos da língua. Mas foi!
Destas coisas do passado eu lembro-me frequentemente. Porém, não por nostalgia o que me trouxe aqui esta lembrança. Tudo girou em volta de uma notícia de primeira página na edição de hoje do conceituado jornal "Folha de S. Paulo": Aluno acaba 2° grau, mas sabe como o da 8ª série. --- Em SP, 43% têm abilidades de leitura e escrita esperadas para três anos antes.
Acrescento eu, que esse fenómeno negativo não se verifica só aqui e nem tão pouco no Brasil inteiro; vai mais além. Os próprios veículos de informação --- tv, rádio, jornais --- brindam-nos com verdadeiras pérolas da degradação da língua.
Reconheço que em todas as áreas o ensino e a aprendizagem estão regredindo e a caminho de um verdadeiro caos. Não sou um saudosista amarrado ao passado e que entrava o progresso. Sou num amante da nossa maior e mais bela riqueza: a língua portuguesa.

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