INJUSTAMENTE ESQUECIDA, a independência de Timor é fruto do sacrifício de muitos timorenses, de todos os quadrantes políticos. Pelo menos, é o que os políticos dizem quando pretendem propagandear ao Mundo a unidade conseguida pelos timorenses durante mais de uma vintena de anos na luta travada com os indonésios.
Antes ainda da entrada dos invasores indonésios, Timor encontrava-se a ferro e fogo, numa luta fratricida que dizimou muitos milhares de timorenses cujo único crime consistiu na liberdade de pensamento que defendiam ser um direito humano inalienável. Não o pensaram assim os fautores da independência unilateral de 28 de Novembro de 1975. Milhares de timorenses - por haverem cometido o crime de querer um Timor independente diferente do que o que pretendiam a FRETILIN e o Poder português saído da Revolução de Vinte e Cinco de Abril de 1974 – foram barbaramente assassinados por outros timorenses acobertados pelo revolucionarismo de cariz esquerdista.
Pensava eu que passados mais de trinta anos sobre o ano nefasto de 1975, os líderes timorenses que hoje ocupam cargos políticos – após anos do que eu imaginava ser de profunda interiorização da fundamental unidade nacional feita à custa de sangue, suor e lágrimas de todo o povo, ao qual pertencem os militantes de outros partidos timorenses para além da FRETILIN - tivessem(finalmente!) concluído que a independência de Timor se deve a todos os timorenses e não só a determinado partido e a algumas personalidades políticas desse partido. Julgava eu, animado do fervor patriótico que a todos os timorenses anima em dias de comemoração da independência a 20 de Maio– data a que pomposamente se denomina de restauração da independência -, que a liderança timorense teria coragem suficiente para incluir, nos seus discursos oficiais, na imposição de medalhas, de condecorações, da saudação aos mártires da Pátria, os mártires de outros partidos que pereceram às mãos da FRETILIN, antes ainda da invasão oficial pela Indonésia. Acredito também que os sobreviventes das masmorras de Aileu se lembram do sofrimento e dos terrores infligidos pelos revolucionários. Mas, se alguns prisioneiros se salvaram (alguns deles devido ao gesto de clemência de uns muito poucos revolucionários condoídos da sua má sorte) igual sorte não coube a tantos outros que jazem em valas que guardam milhares de restos mortais de militantes da UDT, da APODETI e do KOTA, quantos deles enterrados vivos!?
Tem sido vã a esperança de que os líderes timorenses se imbuiam da generosidade de reconhecer que, para além dos mortos às mãos da Indonésia, timorenses houve – e foram milhares! – que sucumbiram às mãos dos revolucionários da FRETILIN. E assim é que, ano após ano, em cada 20 de Maio da comemoração daindependência, se prestam loas, se curvam, se referem os nomes de militantes da FRETILIN e se esquece de que timorenses houve que mataram outros timorenses cujo único crime foi pensar um Timor livre mas diferente.
E é por isso também que, ano após ano, vou perdendo a crença de que aunidade nacional é real, é interiorizada, é sentida. Assim será enquanto permanecerem propositadamente esquecidos nomes dos que foram barbaramente assassinados pela FRETILIN, numa tentativa da liderança de falsear a História branqueando aqueles que ordenaram as execuções.
Mas, se a liderança timorense, se os detentores do Poder político de hoje continuam a ignorar o nosso contributo para a independência de Timor, se todos teimam em esquecer os nossos mortos, gritemos a nossa revolta ao Mundo– apesar do esquecimento do Senhor Presidente da República, Ramos Horta, num gesto consequente de gesto igualmente revelador da vontade do seu antecessor Xanana Gusmão de esquecer que há outros heróis em Timor - dizendo que a FRETILIN assassinou Vasco Senanes, Fernando Luz, Agapito Mariz, Coronel Lourenço, Casimiro, Maggiolo Gouveia, António Araújo Nélio Oliveira, César Mouzinho, José Oliveira, Luís Oliveira, Serafim dos Santos, Guilherme Exposto dos Santos, Adão Exposto, Águedo Inácio, Rogério Inácio. Não quero esquecer também os irmãos Maia, os jovens Jerónimo (16 anos) e Rui (14 anos), que foram ambos mortos em Same!
Muitos outros nomes ficaram por ser aqui referidos mas, para ilustrar, a barbárie de 1975, estes exemplos são bastantes! Se restarem dúvidas sobre a verdade histórica, há sobreviventes que vivem em Timor, em Portugal e na Austrália que ainda não conseguiram esquecer os maus tratos, poderão prestar esclarecimentos e apontar os nomes e as caras dos seus algozes!
Assisti à condecoração de Mari Alkatiri e de Ramos Horta e pensei que tambémos líderes da UDT que lutaram por Timor seriam condecorados. Mas não. Deles não consta a lista de heróis do então Presidente Xanana Gusmão. Nem sequer do actual Presidente. Considero de elementar justiça atribuir a condecoração pelos trabalhos prestados durante os anos da Resistência na diáspora a João Carrascalão, Domingos Oliveira, António Nascimento, Lúcio Encarnação, entre tantos outros. Ou que, Manuel Carrascalão, activista e fundador do Movimento para a Unidade e Reconciliação do Povo de Timor-Leste (MURPTL) defensor acérrimo do Referendo em Timor, fosse reconhecido como personalidade histórica e por isso o condecorassem. Mas, ano após ano, as condecorações, os cumprimentos e as homenagens limitam-se a personalidades da área da FRETILIN, contribuindo para o descrédito da vontade de construir uma Nação onde todos os timorenses tenham lugar e vejam reconhecidos os seus méritos, o seu trabalho, o seu esforço.
Não compreendo como nunca se nomeia Francisco Gonçalves, com o nome de guerra Mali Iku – operador de transmissão, o único que, na Ponta Leste, decifrava os códigos políticos do comissário político Juvenal Inácio, SeráKei; ou Rui Gonçalves, que tinha o nome de guerra de Ximangano Mac Mahon e foi um prisioneiro político de Aileu que, depois da invasão, pelas suas qualidades de liderança, ascendeu a comandante da guerrilha e Delegado Político. Se o Senhor Presidente da República actual, se o Presidente da República anterior os esqueceram, tal como os esqueceram os deputados ao Parlamento Nacional, nós não os esquecerenos! Se outros esquecem, cabe-nos a nós, militantes da UDT, lutar - sempre! -, para que o Mundo não esqueça que outros heróis existem para além dos que anualmente são propagandeados pelos actuais líderes timorenses e pela própria FRETILIN.
Se a esperança deve prevalecer, então direi que continuo à espera que Timor seja um dia a Pátria que entre os seus braços vai acolher todos os seus filhos independentemente da sua raça, credo ou convicção política! E que então ninguém mais se sentirá injustiçado, marginalizado, ignorado, numa desnecessária demonstração de desprezo.
Hélder Encarnação