Voltei pra Minas Gerais. Viagem louca e urgente. Quando retornava, na segunda de manhã, comprei um maço de orapornobis já com segundas intenções; faria um franguinho ou uma costelinha de porco do jeito mineiro. Pode se dizer também orapronobis o nome dessa planta encontrada em Minas Gerais ou oro-pro-nobis. Normalmente os galhos da planta viram uma moita.
As coisas se encandeiam quando se trata de mineiros. Cambada de "comi-queto" esse povo das alterosas que fica na moita quando o assunto tende a comprometê-lo. Na roça também, quando mineiro quer desaguar é atrás de uma moita que dá o serviço. Também os mineiros se amoitam quando quer dar "uns pega" na namorada ou no namorado (porque hoje em dia as meninas são tão ou mais assanhadas) pra não serem notados e do "pega" tem nascido muitos mineirinhos temporões. Fala-se que o mineiro vive na moita para dar o bote nos outros e teve até um que vendeu um lote na lua para um carioca na avenida principal.
Estava falando da moita de orapornobis, cujos galhos fincados na terra são espinhentos, mas as folhas são macias de uma textura igual a couve. Escrevi que comprei mas o correto é que consegui com uma dessas conversinhas mole de beira de estrada que a gente vai aprendendo. Encostei a barriga num desses fogões de tijolo cimentado, taipa e chapa quente de uns três metros por três metros de largura, com comida de todo tipo e lasquei o comentário certeiro: Não tem frango com orapornobis? Lógico que já sabia que não tinha. Daí pra segunda pergunta foi um pulo: Cês num tem a planta? Tinham e logo me arranjaram um maço devidamente embrulhado e na sacola. Na hora de pagar a conta do almoço não quiseram cobrar; era brinde da casa. Díficil foi
mantê-la verdinha durante o restante do dia e a noite toda até chegar em casa. Imaginem que era segunda e o jantar foi terça de noite. Deu tudo certo. Vim jogando água mineral nela o tempo todo e depois em casa coloquei num desses vasos de cerâmica que parece que revigora as plantinhas.
Mas interessante é que depois do almoço, adiante de Diamantina, terra do presidente JK e dos caminhos do ouro e de diamantes, tinha numa dessas banquinhas de beira de estrada umas mulheres vendendo pequí, fruta do conde e marolo. Não tive dúvida de mandar parar e encostar o carro para dar uma geral. Valeu a pena. Imagine se ia perder de comprar pequí prum arroz tipo goiano (mas feito em todo Brasil) já que tinha conseguido a planta do frango no restaurante.
Dei um virada no tempo nessa hora porque quando pequeno (uns oito anos) colhíamos no campo o tal de araticum que chamávamos de urticum ou urticum cagão e outros sitiantes falavam que era marolo, planta que é praga em alguns lugares por ser resistente a seca e ser de cerrado. Mas o cheiro é encantador e o sabor diferente de outras frutas. Acho que é o cheiro de minha infância que senti naquela hora. Lembrei-me do lugar onde colhíamos os marolos numa larga formação de pedra misturada com terra onde não adiantava plantar nada. Só as plantas nativas cresciam insistentemente igual nossas vidas secas naquelas regiões onde o sol um dia nos empurrou expulsando para outras estradas e caminhos.
Mas tinha também umas goiabinhas do campo com cheiro delicioso e sabor doce-azedinho que brotava naquelas terras entre pedregulhos. Cresciam também pés de marmelo cujas frutas
nunca mais vi e pitanga que acompanhávamos as frutinhas pequenininhas e verdes, depois amarelas e finalmente vermelho-sol que derretiam na boca quando chegávamos antes dos pássaros.
É bom diferenciar a fruta do conde que veio de Portugal por volta de uns 375 anos trazida pelo Conde de Miranda e plantada na Bahia com o araticum ou marolo que é do nosso cerrado. Acho a pinha ou fruta do conde mais palatável se observar só características de leveza e sabor, mas o marolo é grosseiro, azedo e rústico como nosso povo do mato e de minha origem. No cheiro do marolo e no seu azedume busco meu avô, meus tios e toda aquela gente de chapéu de palha com rostos queimados e enrugados em terra e sol. E mais importante no olhar áspero de meu pai quando ralhava conosco. Nem precisava falar nada. Ali estavam incrustados todos esses cheiros azedados dos nossos dias e aprendizado de moleques de roça.
Mas vieram os pequís e os ramos de orapornobis e fizemos um tremendo jantar. Convoquei meus grandes amigos da hora e da vez e tudo saiu direitinho. Sabia que a Rosa manjava do arroz com pequí por que ela também é sertaneja de bons costado e com conhecimento de causa. Sabe tudo essa grande irmã que me socorre sempre nos apuros da vida. Passou e passa pelas fieiras
do conhecimento da vida ralando o corpo e a alma nunha sofreguidão e alegria contagiante. Nos entendemos de muitos séculos porque a vida quis que enveredássemos atalhos semelhantes e próximos. Trocamos figurinhas colando muitas vezes nos mesmos cadernos. A Rosa é catingueira lá da Bahia com couro curtido de sol e muito suor. (Tua bênção minha irmã-comadre Rosa).
Ficou para a Carminha fazer as honras dos convites espalhando a notícia das iguarias de Minas e do jantar anunciado. Importante sempre é que só pessoal da Diretoria (como chamamos) entra nessas listas. Como nossa empresa é grande a gente divide por setores e departamentos. É para ninguém ficar com ciumes por não estar num ou noutro evento. Todos vão tendo vez.
Mas a Carmen coordenou tudo direitinho e de sobra fez o frango ficar delicioso com sua mão de mestra que só não vi fazer cair chuva ainda. Rápida e certeira. No decorrer do dia a Rosa enviou uma receita com fotos e tudo que estava coerente com nossos planejamentos gastronómicos. Deu tudo certo. Quem veio viu e se esbaldou. Quem não veio perdeu uma chance apenas porque inventaremos outros encontros pra jogar mais conversa fora e tomar umas e outras. Que teve inclusive umas pinguinhas que o Eduardo e o Serginho mataram, fóra as caipirinhas da Rosa que já estão ficando famosas.
São assim as coisas. Simples. Frango com arroz.
Orai por nóis!... --- Orapornobis --- Amem .
Autor e colaborador: Marcílio de Freitas
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