domingo, junho 01, 2008

LEMBRANÇAS DE GLENO

Estive em Timor muito pouco tempo, comparando com aquilo que eu desejava.
Nao vivi em Dili, centro confuso e comercial onde a cada esquina se encontra una criança vendendo peixe, banana, manga, cigarros ou dvds do filme mais recente que alguém gravou numa sala de cinema indonésia.
Vivi no meio de Gleno, pequena capital de distrito, tão grande como uma rua principal e uma dúzia de ruas perpendiculares. Onde às quintas-feiras, o mercado se enchia de gente vindo Deus sabe de onde para fazer as suas compras, alguns legumes, alguma fruta, alguma carne que as gentes compravam sem se importar da carne estar ali, exposta ao sol, à chuva, ao pó dos carros, às mãos dos passantes...
Gleno, pequena capital, mais pequena do que uma vila simples de Portugal, mas tão cheia de cor, tão rica em cheiro e sabores, onde o sol iluminava todos desde às 5h da manhã. E a noite caía pouco depois das 16/17h à tarde. Onde as criançais surgiam por todos os lados, sempre com Aquele sorriso que nunca consegui entender.... Onde homens e mulheres passavam, carregando crianças, roupas, sacos, cestos, de tudo um pouco.... Onde homens e mulheres faziam fila para ir ai posto médico -- uma clínica, chamavam-na -- sem saber quando saíriam... para alguns deles, sem saber se sairíam. Onde homens e mulheres, de todas as idades, mas sobretudo jovens, vivem ao sabor das plantações de café, bem numerosas. Onde a política de Dili parece ser ali tão longe e ali tao perto porque, afinal, foi por ali por aqueles montes que a Resistência se escondeu durante tantos anos.
E Gleno, com aquela sua gente tão linda e tão cheia de histórias e estórias para contar.... e quando se toca mais além do que a superficie desta gente, percebe-se que atrás do sorriso que continua fixo no rosto, há muita dor, muitas lágrimas caídas, muitas dores sofridas mas, apesar de tudo o que sofreram e sofrem ainda, apesar de tudo por aquilo que passaram e passam ainda, a esperança de um futuro melhor permanace. Uma grande confiança que Deus, là em cima, não os esqueceu e que um dia, todos eles poderão conhecer uma vida feliz, sem medo, sem opressão, sem pobreza.
E Gleno, com aquela sua gente tão bela, sempre curiosa em aprender o que se passa do outro lado daquelas montanhas que os separa de Dili e do resto do mundo.... e um sorriso natural ao imaginar que algures no mundo, há bocadinhos de algodão que cai do céu.... e aquele orfanato, onde dezenas de crianças vivem e crescem, como podem e como conseguem, sem grande ajuda de fora, depois de ter perdido seus pais...
E Gleno, com aquela sua gente tao simples e tao integra, com aquela brisa sempre presente e com aquelas chuvas tão bruscas e repentinas como breves...
Quando se sai de Dili em direcção a Gleno, não se imagina o que vamos descobrir...
Gleno parece um mundo à parte. O caminho sinuoso que sobe, sobe, sobe, faz-nos descobrir o mar là em baixo, tão limpido, tão claro, tão azul... Mais além, aquelas primeiras ilhas da indonésia... e no infinito, o mar que se confunde com o céu.
A pouco e pouco, deixa-se o mar para trás e entra-se na terra do café. Plantações pela direita, plantações pela esquerda; umas cabanas aqui, umas casitas ali e, por todo o caminho, crianças, mulheres e homens que vão e que vêm ("Hello Mister"), sempre com o eterno sorriso. Quando se entra na mata, descobrem-se novos cheiros, novas cores. Há mangas e bananas um pouco por todo o lado, vendidos nessas cestas feitas de folhas de bananeira, e sempre aquele sorriso.
Descobri em Timor uma paisagem magnífica, como raramente tive opotunidade de ver em toda a minha vida. Paisagens belas ainda selvagens, que uma dia certamente serão em parte, senão todas, destruidas pelo poder enorme do turismo. Mas o que realmente descobri de mais belo, foi a sua gente.
Desde então (2002), é provável que muita coisa tenha mudado. As notícias que aqui chegam são raramente felizes, as mensagens que recebo são de medo, de dúvida, mas na minha memória e no meu coração o que fica é o sorriso desta gente e a esperança que um dia (breve!) consigam, finalmente, alcançar a paz.

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