domingo, julho 13, 2008

Justiças e injustiças

Carta da Promotora de Justiça, Marcia Velasco, sobre o crime em que o segurança de seu filho matou um rapaz na boate Baronetti --- em seguida, leia a resposta do editor do Globo On Line, Aydano.
Márcia Velasco:
"Tenho lido e assistido em silêncio angustiante, nos últimos dias, a incontáveis manifestações de revolta e indignação pela morte do jovem Daniel Duque. Manifestações justas, principalmente quando partem da mãe e do padrasto de um menino que teve sua vida roubada pela violência.
No seu lugar, como mãe de um rapaz tão jovem quanto o filho dela, estaria me esforçando para não gritar de dor. O que pode acontecer de pior a uma mãe do que perder um filho na flor da idade? Mesmo sofrendo como estou, gostaria de dizer que não estou acostumada a ter momentos de fraqueza. Não posso me dar ao direito de tê-los. Tenho enfrentado, ao longo dos últimos anos, desafios que me foram impostos pela minha profissão, em defesa da sociedade, da população. O exercício da Promotoria de Justiça, nos dias de hoje, de maneira séria e honesta, exige de todos nós sacrifícios que só realizamos com muita determinação e coragem. É uma luta constante contra o crime, em suas mais variadas manifestações. Uma luta que, no meu caso, transformou uma mulher normal, tímida, sonhadora, feliz, um lindo filho pequeno, numa mulher determinada, implacável, em busca da justiça e da paz que todos nós queremos.
Os caminhos desta luta me levaram a confrontar, como todos já sabem, os mais perigosos e cruéis bandidos do Rio de Janeiro e o maior criminoso da história do país, Fernandinho Beira-Mar. Os desafios apareceram, eu os fui enfrentando, um a um, sem jamais recuar e acho que hoje pago o preço muito alto que esta cruzada me cobrou. Este bandido voltou a me ameaçar. No último dia 19 de junho recebi nova comunicação de que ele, mais uma vez, disse que não descansará enquanto não me matar.
São anos e anos de uma vida sem paz, uma vida de medo, minha e de meu filho, que cresceu sem poder ser como os garotos de sua idade, brincando, feliz. Sempre cercado de seguranças, Pedro cresceu e hoje me orgulho, e o pai dele também, de termos criado um rapaz com valores rígidos, com caráter, decência e honestidade. Mas Pedro sempre tentou ter uma vida mais próxima da normalidade, com todas as dificuldades que teve por causa de nossa situação. Fico triste ao verque tantas pessoas o considerem um privilegiado por estar sempre protegido por um segurança. Na verdade Pedro é um prisioneiro, pela nossa condição demarcados para morrer.
Com estas informações, não quero criar justificativas para nada. Quero dizer que o sábado 28 de junho foi um dos dias mais tristes da minha vida. Eu lamento do fundo do coração a morte do jovem Daniel Duque. Lamento profundamente a violência que se repete nesta cidade como uma rotina sufocante. Quero justiça, assim como todos. Quero que o policial que disparou a arma, e que nunca, em oito anos, havia usado a sua pistola enquanto prestava segurança para nós, sempre demonstrando auto controle, seja julgado - e nãoprejulgado - com o direito de defesa que se deve dar a todos. Direito que até o homem que quer nos matar, a mim e meu filho, está recebendo.
Lamento pela violência que acaba se impondo e se traduzindo em nosso meio social, como que incorporadas de forma banal no meio de nossos jovens. É o que costumo chamar da convivência pacífica com a 'cultura da ilegalidade'. Eu sei o que é a angústia de perder o sono esperando o filho voltar da rua. Sei disso porque toda a mãe sabe, como a mãe de Daniel sabia. Mas sei por um motivo a mais: estamos, meu filho e eu, diretamente ameaçados de morte. Há oito anos dei a minha paz e a do meu filho em defesa de uma cidade melhor, em que todos nós pudéssemos viver em paz e sem medo. Há oito anos não tenho vida, rotina, tranqüilidade e paz de espírito. Há oito anos convivo com o medo. Medo de ligar o carro e vê-lo explodir. Medo de ter minha casa invadida por cúmplices do criminoso que ajudei aprender. Medo de receber a notícia de que meu filho sofreu um atentado. Filhos não deviam jamais morrer antes dos pais. A morte de um filho contraria a lei natural na qual queremos sempre acreditar.
Parece subvertero próprio espírito humano. Não há nada que se diga, portanto, que possa mitigar a dor de Daniela Duque e do seu marido. Espero apenas que, um dia, eles percebam que toda a história tem mais de um lado. Esta também. E pretendo fazê-la acreditar que, embora repita, nada que possa dizer neste momento vá atenuar a sua dor de mãe, como Promotora de Justiça, nos dezesseis anos de minha pública carreira, tanto quanto ela tenho apenas um anseio: DE JUSTIÇA. Desejo apenas que a verdade dos fatos venha à tona. E certamente ela virá.
"Rio de Janeiro, 01 de julho de 2008.
Márcia Velasco
Resposta de Aydano:
Doutora,
Antes de mais nada, os agradecimentos do blog, pelo trabalho que ajudou a mandar para a cadeia o perigoso traficante Fernandinho Beira-Mar. A gratidão de todos os cariocas e brasileiros se deve, aliás, porque aqui, nesta terra morena, obrigação é mérito - afinal, a senhora nada mais fez do que justificar o salário que recebe do contribuinte, como promotora de Justiça. Confere?
Assim, não é verdade que a senhora deu sua paz e a de seu filho "em defesa de uma cidade melhor, em que todos pudéssemos viver em paz e sem medo". Desculpe, doutora, mas a senhora apenas fez seu trabalho, que, aliás, escolheu livremente, ao decidir a faculdade que cursaria e o concurso público que prestaria. Não tem nada de heróico nisso - ainda que, nunca será demais repetir, sejamos gratos.
Mas o assunto desta não é seu trabalho no MP. Infelizmente. O crime que agora lhe envolve é bem outro - a morte do menino Daniel Duque, assassinado à queima-roupa pelo guarda-costas que a senhora emprestou a seu filho, para ele atravessar a madrugada naquela catedral da bandalheira mauricinha chamada Baronetti. E aí, doutora, está tudo errado. A começar pela defesa que a senhora ensaia, na carta publicada nos jornais de hoje.
A senhora preferiu dedicar 18 dos 26 parágrafos do texto à própria rotina de servidora pública e seus parentes ameaçados por malfeitores. Direito seu. Mas é o caso de se lamentar, profundamente, o uso equivocado de um segurança que os fatos transformaram em assassino. Sim, o homem que guardava seu pimpolho na noite de Ipanema é um assassino. O trabalho bem-feito de um advogado como a senhora pode fazer prevalecer a tese da legítima defesa - por mais que pareça delirante, alguém se defender atirando contra pessoas desarmadas -, mas quem mata os outros, diria qualquer colega seu de MP, é assassino, certo?
A parte mais delicada - para o blog - e constrangedora - para a senhora -não é essa, e sim a das opções de lazer do seu rebento. Hoje, a polícia divulgou que sequer é a primeira vez que ele se mete em arruaças noturnas. Em janeiro do ano passado, Pedro esteve envolvido numa briga na Cat Walk, na Barra. (Aliás, não tem ameaça de facínora que faça seu menino desistir de uma boate, né não?).
Então, vamos por um momento esquecer a promotora e falar de angústias de mãe. Não seria o caso de uma boa conversa com esse adolescente - "Um rapaz com valores rígidos, com caráter, decência e honestidade", como a senhora avaliza, e o blog tem certeza do seu esforço para sedimentar tais parâmetros -, para tentar modificar os hábitos noturnos que ele cultiva? Pode ser impossível, claro. E aí, o que está errado, doutora, é oferecer um assassino para ir junto, cuidar da integridade física de seu herdeiro. Por óbvio, o blog sequer se estenderá sobre o equívoco absurdo, de um servidor público como a senhora servindo de babá para um jovem até cinco da manhã.
Ora, que ameaçado é esse, que se sente seguro para ficar pela rua, num carro de seqüestrável - aquele BMW apreendido pela perícia custa R$ 145 mil nas boas lojas do ramo - madrugada adentro? Mas, pelo menos, a senhora tem a esperança de mudar as preferências e administrar os riscos de seu filho, muito além do que pode garantir a vigilância de um matador. Dê graças, doutora. Porque Daniela Duque, mãe como a senhora, não pode fazer mais nada. O filho dela foi assassinado à queima-roupa pelo guarda-costas do seu. Disso, doutora, a senhora tem obrigação de não se esquecer jamais.
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