sábado, julho 05, 2008

Somos todos trouxas?

Ação na Colômbia.Conta outra, vai!
4/7/2008
Quando vi as imagens da chegada de Ingrid Betancourt na TV, depois de “libertada” por um comando do “experiente” Exército colombiano, com camisetas do Che e helicóptero militar pintado com cores de ONG e sem comunicação com o comando da guerrilha, sem um tiro ou uma só gota de sangue derramado, minha primeira lembrança foi a chegada de Pinochet ao Chile, depois de solto da cadeia inglesa. Lembram? O homem desembarcou do avião em cadeira de rodas, descida com todo o cuidado por militares. Era um velho doente. Quinze minutos depois, em meio aos seus, já havia ocorrido o “milagre” e ao homem só faltou dançar uma rumba. Ou cueca (música tradicional chilena).
A última vez que tínhamos visto a Senadora na selva, dizia-se que ela estava à morte e o aspecto era a de uma mulher macilenta e doente. O mundo inteiro comoveu-se pelo sofrimento da refém. A Ingrid que apareceu ontem era uma mulher saudável, com dentes brancos e perfeitos, bem tratada e cheia de energia, um aspecto pouco comum a alguém que permaneceu seis anos em poder de um bando carniceiro, pensando em suicidar-se todos os dias e sendo tratada como um cachorro, segundo suas próprias palavras. Aliás, tratada como um cachorro — sem desmerecer o sofrimento de Ingrid e não querendo afirmar que as Farc mantêm seus cativos em hotel de luxo — é um termo impreciso para indicar maus-tratos. A maioria das pessoas que conheço trata muito bem de seus cachorros.
Não sei o que é e não tenho qualquer prova, mas como jornalista desconfio de 90% dos “doces” que tentam me vender, ainda mais quando o “doceiro” é um senhor chamado Álvaro Uribe, Presidente da Colômbia. Será que tudo aconteceu mesmo como foi contado? A história da operação de libertação de Ingrid me parece tão verdadeira como uma nota de três reais. Quer dizer que bastava arranjar umas camisetas com a foto do Che, pintar um helicóptero militar com cores de ONG (branco e vermelho) e criar um grupo de pseudobenévolos com o “extraordinário” nome de “Comissão Internacional de Saúde” e, segundo as notícias, “usando o jargão de guerrilha” (?).
Esse grupo teria convencido os captores de Ingrid que estava ali para levar os prisioneiros (incluindo três norte-americanos que trabalhavam para uma empresa contratada pelos militares, igualzinho ao que ocorre no Iraque, leia-se instrutores de assassinos), à presença do novo “capo” do grupo rebelde, Alfonso Cano. O mais curioso é que Cano estaria isolado e sem comunicação, mas mesmo assim os carcereiros de Ingrid acreditaram na “ONG”. Não faltou sequer o cerco a um grupo de guerrilheiros, que não foram mortos, por “boa vontade”, para que não houvesse represálias contra os reféns ainda em poder das Farc. Dá pra acreditar?
Curiosas também são duas coincidências. A presença do candidato republicano, John McCain, na Colômbia durante a operação e o fato de que Uribe é candidato a um terceiro mandato. Ambos vão lucrar com isso, podem acreditar. A Corte Constitucional colombiana já negou a pretensão, mas Uribe vem coletando assinaturas e insiste em seu propósito. Seu maior inimigo, o Presidente da Venezuela, tentou igualmente um terceiro mandato e submeteu sua pretensão a referendo popular. Apanhou feio e até aqui tem acatado a decisão, mas a imprensa insiste em chamar Chávez de “ditador”, enquanto classifica Uribe como “democrata” (um democrata cujo irmão tem ligações estreitas com os paramilitares, grupos de extermínio de extrema direita, que chegam a ser mais ferozes que as Farc).
Os colombianos e norte-americanos sustentam que a operação foi toda montada e executada pela inteligência militar colombiana. Desculpem-me, mas “inteligência militar colombiana” é muito boa como piada... Li também, ontem (dia 3), que a ação poderia ter sido coordenada e planejada por militares israelenses, que estariam na Colômbia. A coisa poderia até fazer algum sentido, se a operação for confirmada do jeito que foi contada (embora nesse caso atente contra a “inteligência” das Farc, o que provavelmente é outra piada). Comando norte-americano só funciona bem em Hollywood. Na prática eles são uns lambões, como provaram na Somália (Mogadíscio) e no Irã, logo depois da revolução dos aiatolás, quando estudantes mantinham 66 reféns norte-americanos na embaixada em Teerã. Um comando saiu do porta-aviões “Nimitz”, com a missão de pousar no deserto ir a Teerã e resgatar os diplomatas. Um helicóptero bateu num avião Hercules pousado, dois outros helicópteros foram abandonados e um caminhão-tanque, explodido. Total de mortos na operação: 12, todos norte-americanos, vitimados por Alá, ou uma tempestade de areia (moderada) no local escolhido para a desastrada operação Eagle Claw (“garras da águia”).
E será que não poderia haver dedos franceses nessa história? Os franceses são mestres em mandar tropas e assessores para a África, onde intervêm sem o menor problema em suas ex (?) colônias. (Aliás, não tem nada a ver com o caso em tela, mas por que a França ainda mantém uma colônia na América do Sul? Eles juram que é território francês. Um dia voltamos ao assunto.).
Seria um absurdo ficar aborrecido com a libertação de alguém que passou seis anos privado de liberdade, ainda mais quando se trata de uma mulher. As Farc deveriam libertar todos os seus reféns, desistir de uma guerra sem saída e fazer um acordo para participar do processo político na Colômbia. Afinal, como já reconheceu até o Chávez, “o tempo da guerrilha já passou”. Mas o que será feito dos “paramilitares” nessa “democracia” colombiana? Parabéns a Ingrid, que teve a sorte de despertar compaixão por ser branca e com nacionalidade francesa (com direito a retrato no Hotel de Ville, a magnífica Prefeitura de Paris). Mas gostaria de saber se a indignação mundial que cercou o seu cativeiro não poderia (nem que fosse só um pouquinho) estender-se a centenas de presos detidos ilegalmente em jaulas e condições de extrema humilhação e maus-tratos em Guantânamo, território roubado de Cuba pelos norte-americanos nos tempos do Big Stick (“grande porrete”).
É gente asiática, bárbara, esquisita para os padrões da boa consciência euro-norte-americana. São “os outros”, os “aliens”, os alienígenas, encarados com desconfiança, mortos e barrados às portas do “paraíso”, sempre que tentam entrar. Muitos estão presos sem processo e sem direitos, numa ação ilegal do Governo Bush, condenada até pela Suprema Corte Americana. São prisioneiros capturados em suas terras invadidas pelas tropas da Otan (no Afeganistão) ou dos aliados no Iraque. Muitos não foram até hoje acusados de qualquer crime e sequer sabem a razão de sua captura, fora o fato de serem afegãos, iraquianos e muçulmanos ou talibãs, ou seja, gente asiática, esquisita...
Fritz Utzeri (in Internet)

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