quarta-feira, novembro 21, 2007

OBRIGADO PROFESSORA!

Meio século já se passou e essas dezenas de anos não fôram suficientes para apagar certas lembranças que insistem em permanecer e que, afinal, jamais se apagarão.
Faltavam três meses para o exame da 4ª classe do ensino primário e um pouco mais de tempo para a prova de admissão ao ensino secundário, ao qual concorriam os aprovados no primeiro. Nem todos tinham esse privilégio, pois a maioria não dava sequência aos estudos mercê da sua precária condição económica, passando a ajudar os pais nos trabalhos do campo ou na cidade e alguns no seu primeiro emprego informal como mocinho de recados, marçano, enfim.
O "exame de admissão", uma espécie de vestibular dos dias actuais, era selectivo e rígido. Mesmo que não estipulasse uma limitação de vagas, só seria aprovado quem realmente tivesse conhecimentos específicos. Assim, para uma quase certeza de sucesso, os mais abastados recorriam aos denominados "explicadores" que administravam aulas particulares para aperfeiçoamento. E eu não me incluía nesse grupo...
Dona Mimi, esposa do meu professor, Virgílio da Fonseca, dava esse tipo de aulas na sua residência lá em Estremoz. Não sei se a pedido de alguém, a mim e ao meu coleguinha Emídio foi-nos facultada a participação nas aulas gratuitamente. E, além disso, ainda era oferecido aos dois um lanche no intervalo, pois que todos os demais o levavam de suas casas e nós não...
Quando chegava a hora, eu recebia das mãos de Dona Mimi aquele pedaço de pão com conduto e um copo de café com leite. De olhos baixos e com timidez extrema recebia a dádiva silenciosamente e ía comer no cantinho da sala. Não sei durante quantos dias essa cena se repetiu, mas lembro-me perfeitamente do diálogo que quebrou essa rotina:
--- É boa educação dizer "obrigado" ---, disse-me Dona Mimi e ao que eu, ruborizado, trémulo e inocentemente respondi
--- Obrigado professora! é que eu estava guardando todos os "obrigado" para o último dia ---.
Acho que já vai para três anos que tive notícias do falecimento de Dona Mimi e isso me abalou profundamente. Fazia parte dos meus planos, quando da minha próxima visita à cidade natal, procurá-la e exprimir-lhe, do fundo do meu coração, o meu eterno agradecimento com um maiúsculo "OBRIGADO!".

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