domingo, março 02, 2008

MEU PÉ DE TAMARINO

Chegando com tempo, passo por aí. Nem vou trocar de roupa. Quero levar o cheiro de uma manga rosa que apanhei no caminho, num galho da mangueira de beira de estrada. Quero levar o cheiro dos abraços que ganhei de minha tia e o som de vozes de novos amigos que encontrei.
Trazer a visão da pequena escola onde aprendi o "be-a-ba" na cartilha "Caminho Suave" que acho não existirem novas versões. Trazer canto de pássaros e saudade de gente que nunca mais estarão conosco porque uma jardineira antiga passou pelas sacadas de tuas varandas numa viagem longa, sem fim, e sem chances de paradas em estações de nome bonito como "Boa Esperança". Gente que pensei encontrar como em outras viagens. Quero trazer a alegria de minha primeira professora que fui visitar sem combinar nada. É Incrível! O beijo e o choro copioso de uma velhinha simpática de 89 anos. Foi a primeira mão amiga que me acolheu com sorrisos francos. Mãos de tantas vidas. Foi a parteira de minha mãe naqueles sertões sem médicos e hospitais. Eu, meus irmãos, primos e todos que nasceram naquela época perceberam a vida pelas tuas mãos. Não deu para segurar uma lágrima que insistia em escorrer pelos cantos de meus olhos quando chamou uma vizinha para me apresentar. Pura alegria.
Trazer a ternura de uma figueira antiga que continua fincada numa cidadezinha de minha infância sem asfalto e barrenta. Os rios e as pontes de madeira de nosso caminho diário rumo à escola. Os pés molhados do orvalho e o sol das manhãs. É isso que trago nos olhos e no coração de menino de cidade pequena. De vendinhas de beira de estrada e porteiras que batiam e estalavam após nossa passagem. Ah! -- tem a lembrança de uma árvore na divisa de nosso pequeno sítio que não tive coragem de visitar. Quero tua presença nos sonhos, quando no outono ela se desfolhava, mas renascia com as chuvas e as primaveras. Essa árvore era minha fábrica de borboletas. De tempos em tempos, uma infinidade de taturanas urticantes a que chamávamos de mandrovás, habitavam seus galhos e se alimentavam de suas folhas. Seguíamos todo o ciclo das lagartas às borboletas, que nasciam e voavam como plumas. Não podiam ser tocadas e, se tocadas, as mãos deveriam ser lavadas imediatamente; e nem pensar esfregar os olhos, porque era cegueira na certa. Sei lá se era verdade. Mas essas lagartas de fogo realmente eram venenosas.
Muitas lembranças do velho engenho, hoje em ruínas, com suas bases olhando o céu perto de um pé de tamarino frondoso. A pedreira de onde tirávamos pequenas pedras para as caçadas proibidas pelo meu pai, que não via motivos decentes para tirar a vida de nhambús, pombas do ar e, principalmente, de um passarinho que chamávamos "joão bobo", tal a sua docilidade e displicência com nossa presença. São essas lembranças que quero trazer. O cheiro de mato depois da chuva, as gramíneas branquinhas de geada no amanhecer dos meses de inverno.As pescarias de domingo e os banhos nos rios, do trampolim que meu pai construiu com golpes de machado plantado na pequena lagoa.
Trazer a batida do monjolo pilando milho e que se ouvia de longe: chiiiii... pá, chiiiii... pá. Os canteiros de almeirão e uma planta que na época não entendia direito o seu cultivo sobre as águas: o agrião.
Mas muitas lembranças que trago não as encontrei nessa viagem. Estavam e estão arquivadas no tempo de minha infância. E temos saudade é desse tempo e não muito de gente e objectos. Gente e objectos são transitórios, mas a infância não é. Quando voltamos nos lugares de nossa infância queremos encontrá-los do jeito que eram.Muitos rios estão secos. Outros tiveram teus cursos desviados. Como nossas vidas, algumas secaram, ruíram, transbordaram e outros seguiram rumos desconhecidos.
Venho trazer então essa saudade da minha infância. Tem gente que não tem estórias, outros quase não tiveram infância. Eu fico com meu pé de tamarino, as ruínas do engenho e minha fábrica de borboletas.
Colaboração de Marcilio Carvalho de Freitas

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