quinta-feira, março 20, 2008

REESCREVENDO A HISTÓRIA - II

(…) Os descolonizadores estavam tão ocupados com a Guiné, Angola e Moçambique que quase se esqueceram de Timor. Mas em Julho de 1974, o lugar-tenente de Mário Soares visita Timor e é surpreendido por um portuguesismo quase fanático. Aquela população era uma miscelânea de povos, cada um com a sua língua e os seus costumes próprios. O que os une, permitindo-lhes viver em paz, é a veneração que nutrem pela Bandeira Portuguesa e por Portugal. Almeida Santos confessa que ficou estarrecido com a devoção daquelas gentes a Portugal. Ainda em Timor, em Julho de 1974, numa conferência de Imprensa, afirmou: “para além dos programas políticos, o que conta são as realidades humanas, e a realidade humana de Timor, que eu pude testemunhar e que os senhores também puderam testemunhar é que existe aqui muito vivo o sentimento de respeito e amor a Portugal. É um fenómeno sociológico que me parece que sai fora das regras normais da sociologia política”.
E Almeida Santos acrescentaria mais tarde que “os timorenses não querem ser descolonizados pela simples razão de que não se sentem colonizados”. Perante a hipótese de uma descolonização recebeu como resposta das forças-vivas de Timor “a nossa resposta ao problema da descolonização é que o que nós precisamos é de mais cultura, mais saúde, mais desenvolvimento agro-pecuário, mais tractores, mais comunicações e mais indústrias”.
O desenvolvimento que teve lugar nos territórios onde grassara a guerra desde 1961, não se verificou em Timor. O pequeno território não foi objecto da cobiça dos imperialistas. Aos EUA agradava o seu actual estatuto e à URSS o seu potencial estratégico ou geo-estratégico não justificava o seu envolvimento, mesmo indirecto.
No acto de posse do novo Governador, ao tempo, Ten-Coronel Lemos Pires, o Ministro Almeida Santos afirmaria:
“Prepare-se V. Ex.ª para o mais espantoso fenómeno de dedicação a Portugal. Quando de lá regressei, rendido a essa heterodoxa sociologia de divinização da Bandeira Portuguesa, que venceu o tempo, a distância e o universalismo político, alguns me terão julgado possesso de romantismo caduco ou de heroicismo carlyleano. Não se trata disso. Apenas relatei, entre atónito e emocionado, factos que sem defesa possível emocionam e espantam”.
Esta era a atitude de Almeida Santos que correspondia à vontade dos timorenses, expressa não em votos, mas em actos e sentimentos. Mas Mário Soares, que de tudo sabe e jamais disse a qualquer questão “Não sei”, e “profundo conhecedor da realidade timorense”, reagiu negativamente à posição do seu lugar-tenente, acabando por afirmar: “É necessário convencer o mundo da intenção sincera de Portugal de abandonar as suas colónias. Manter diversos laços entre os territórios e a Metrópole conduziriam, a meu ver, a formas de neo-colonialismo larvar, que o governo português rejeita em bloco. Nós comprometemo-nos com um trabalho histórico”.
Esta posição do “patrão” da descolonização coloca em xeque a opinião de Almeida Santos que, com o seu grande à-vontade e discernimento, rapidamente faz agulha, acabando por afirmar: “Que independência está em dúvida? Nenhuma. Apenas a de Timor não tem ainda data. Mas tê-la-á em breve”.
Nada havia a fazer. O rei da descolonização não poderia hesitar pois, mo fim, era o seu ego que estava em causa. Para subir ao mais alto pedestal na nova plêiade dos políticos portugueses, teria de começar por realizar algo que o imortalizasse e provasse à sociedade a sua enorme capacidade intelectual, cultural e, principalmente, a sede de poder. (…)
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(…) antes do Ten-Coronel Lemos Pires e do seu grupo de colaboradores ter chegado a Timor, se deu a entrega da Guiné ao PAIGC, o que significou ser o autor moral do fuzilamento de milhares de guineenses; que o então Ministro dos Negócios Estrangeiros (Mário Soares) andou aos abraços a Samora Machel, quando os soldados das nossas FA continuavam a lutar e a morrer na província (Moçambique) em defesa das suas populações; (…)
Trechos do livro "25 de Abril de 1974 --- A Revolução da Perfídia"
Editora Prefácio. 2008

Autor: General Silva Cardoso

Alto Comissário de Angola (1975). Governo Mário Soares.

Ex Presidente do Supremo Tribunal Militar.

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