Fiquei aqui meio estático durante alguns minutos para encontrar um título para esta minha crónica. Normalmente faço isso ao final da escrita pois que, consoante o desenrolar das ideias e situações, sempre surge uma opção final que se sobrepõe às anteriores. Mas neste caso achei que deveria pensar logo de começo e assim foi. Lembrei-me dos meus primeiros tempos do ensino primário (básico) e daqueles livros inseparáveis que passavam do mais velho para os irmãos mais novos.
Já aqui comentei sobre o quanto se fala erradamente nos programas de televisão e rádio, principalmente nos jornais telediários onde, a princípio, a linguagem deveria ser correcta, pois trata-se da maior e diversificada audiência e, a princípio, esses locutores ou apresentadores deverão ter cursado o ensino superior. A apresentadora ao despedir-se diz "Boa noite a todos e amanhã a gente se vê", isto depois de ter usado erradamente outros termos durante a apresentação do jornal. É claro que "a gente" tem um significado mais abrangente do que "nós" ou "nos", estes dois pronomes encaixados na relação entre quem está falando e quem está vendo e ouvindo. E porque só um está vendo o outro, nada de nos ver-mos amanhã...
São estas situações que em muito colaboram para o advento de novos e periódicos Acordos Ortográficos, normalmente propostos por quem mais termos iventa ou deturpa e que a maioria não aceita. Fica essa balbúrdia pipocando por aí...
Mas, acreditem, a imprensa escrita está a surpreender-me de modo impressionante! Está, também, enveredando pelo caminho do assassinato da língua portuguesa.
Diàriamente leio três jornais impressos. Dois da cidade de Campinas e o outro, que talvez seja hoje o maior do Brasil e do qual sou assinante há doze anos --- Folha de S. Paulo.
Quanto aos dois primeiros, os erros com que me deparo eu deixo passar, não sem antes fazer a minha crítica silenciosa e reservada. Porém, no que tange à Folha e por ter conhecimento da severidade do seu Manual de Redação, não posso admitir que todos os dias pipoquem erros de português. E a coisa parece estar a ultrapassar o admissível, pois o próprio jornal chegou ao ponto de fazer essas correções no dia seguinte na sua coluna "Erramos". Lógico que quando eu coloco o termo "admissível" não é com o intuito de aceitar que algo nesse campo se aceite. Tem revisores para corigir esses deslizes.
O meu propósito não é uma crítica aos jornais, à constituição das suas equipes, enfim. O ponto exacto onde eu quero chegar é a verificação de que um certo analfabetismo, com que nos deparamos no dia a dia dos nossos relacionamentos, está a chegar onde era inimaginável.
Não sei onde todos nós vamos parar. Só sei que, como escrevera Chico Buarque numa das suas canções, a coisa aqui está preta. E atenção que o termo "preta" aqui e na canção não tem conotação racista. É sempre bom avisar porque cada vez há mais mentes incultas ou que cujas culturas deixem muito a desejar e, por conseguinte, poderão tentar me aporrinhar...
Nos meus filhos não coloco mais esperança, apesar de que todos eles são bem educados. Já não será a sua geração que irá consertar as coisas. Todavia acredito muito em que os meus netos venham a ter essa possibilidade de unir forças com outras mentes esclarecidas e recuperar o que duas gerações perderam.